terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Óculos

Saio do banho, óculos embaçado. Ele ri.
Já não era nem a primeira, nem a última vez que ele achava aquilo extremamente engraçado.
Para mim, era normal, mas forcei um sorriso para não contradizê-lo.
Não adiantou.

Já virou assunto a ser discutido a minha falta de humor pelas manhãs.
O meu silêncio querendo paz.
A minha alma, sem ter mais pra onde fugir.
Mas aí fomos dormir.

No dia seguinte, mesmo caso. Com adicional de desconfiança de que eu tinha um caso.
Não teve banho ou risada, teve ameaça e dedo cara.
Um flash, do nada.
Óculos quebrado. Ele ri.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Eu (s)em mim.

Hoje eu fiquei assim, meio sem mim. A deus dará do destino ou da próxima vez.
Percebi-me perdida da maneira mais pura: entre o que eu pulso e a minha maneira de existir.
Questionei as formas de amar e os termos que usamos pra sentir, sem saber o lugar (ou se há) para ser qualquer coisa, dentro, aqui.

Parece que vejo os silêncios do que não vou dizer, como facas afiadas e apontadas para mim. Às vezes pareço estar vendada, mas o despertar de outros sentidos procura compensar esse não eu, esse não antes.

Componho com o pouco de sensibilidade ou sensorialidade que me sustenta, uma lógica ou uma regra para basear o intangível em mim, que dá forma a toda a matéria em um fio de alma.

Mas de quem é esse olhar que me confronta no espelho? O que guardo, de mim, em segredo, nesse tudo que não alcanço, que não sei que desejo?

Hoje eu fiquei assim, vagarosamente duvidosa, perdida nos espaços entre o eu e o que sei de mim, entre o outro que me habita e a negação que me compõe.

As memórias relampeiam o que eu esqueci e emergem o que nem sei que perdi.

Hoje eu fiquei assim.
Eu (s)em mim.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Conexão

Dentre os muitos aindaporsaberes da vida, falta-me entender a conexão.
Aquela coisa que antes eu chamava de química, mas a que agora dou maior importância e força cósmica, a essa troca de energia que temos com alguém que faz com que levemos um pouquinho dele conosco e que o deixemos levar um tantão da gente com ele.

Conexão pode ser interpretada como amor. Acho que os poetas, os escritores, os jovens, os velhos e as crianças estão tão ávidos e atentos às manifestações desse grande desconhecido que é o amor, que talvez nunca descubramos onde ele começa, onde termina e o que ele é, ou se é só uma conexão.

Quantas vezes tive uma conversa agradável, senti-me acarinhada e querida e achei que estava na presença do meu grande amor. Quantas vezes acolhi alguém, trouxe-o para o meu seio e deixei que se alimentasse do que eu tenho de mais raro, minha energia, achando que seria aquela a chance de encontrar lugar no amor do outro.

Também achei que isso só acontecia uma vez a cada mil anos em galáxias sorteadas, mas a verdade é que conexões acontecem a todo momento. Só precisamos prestar atenção a quem estamos nos ligando.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Cinema

O filme tinha acabado. E, pela primeira vez, ele sentia que também havia enredo depois dos créditos finais. Antes, saía do cinema com um buraco no peito e uma falsa expectativa de, quem sabe, poder ser tão feliz quando aquele casal que aparecia na telona.

Os créditos começaram a passar. E pela primeira vez ele não teve preguiça de levantar e encarar a multidão, porque ao seu lado, de mão colada à sua, estava alguém com quem valeria a pena sair um pouco antes da sala. Alguém com quem ele poderia correr para viver, correr contra o tempo para poder aproveitar cada segundo daquela pessoa que enfim o havia encontrado. Ou ele havia encontrado. Não importava.

Mas também não havia pressa. O filme acabou e ele não pegou o celular, ele só queria ouvir o que aquela boca tinha a dizer, a sua opinião seguida por uma piada casual, só para não perder o costume.
Acabou o filme e, ainda assim, ele tinha um ótimo motivo para sorrir e frio na barriga.

Nem no cinema poderia haver outra história tão linda.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Inteira

Seu amor me derrete.
Faz de cimento firme, pó. De carne e osso, sonho.
De felicidade, purpurina.

Seu amor me eleva.
Traz a terra ao céu, onde me encontro, esperando você voltar.
Onde projeto meus desejos, pra te mostrar.

Seu amor me perpassa como raio de luz e aquece que nem laser.
Nele existem todas as possibilidades do mundo.
Todos os pares que ainda vão ser feitos, que vão gerar energia cósmica.
Todas as feridas que o ego vai causar e as cicatrizes que um amor maduro pode trazer.

Seu amor me faz procurar, além das coisas, dos amanhãs e dos ventos, algum tipo de felicidade.
Mas seu amor não está aqui, em mim. Está disperso e isso me desperta.
Pra buscar entender no etéreo, a minha forma no espelho dos seus olhos.

Como me vê? Não sei.
Mas o que queria saber é: como me sente?

Meus pés pedalam pelo espaço entre eu e você.
Alargam passos para apressar o nosso encontro.
A saudade me rasga de ponta a ponta. Mas a vontade me mói inteira.




terça-feira, 24 de novembro de 2015

Histeria

Ela se apaixonou por mim.
Mas o que eu poderia fazer? Não me olhe assim... Foi ELA que se apaixonou por mim.

Não fiz nada demais, ela consentiu.
Foi algo que provoquei e evitei ao mesmo tempo. E não acho que eu tenha culpa.

Foi ela que se apaixonou por mim. Eu não fiz nada.
Talvez esse nada tenha dado espaço para algo crescer, mas, enfim, ela que exagerou, passou do ponto.

Confesso que no fundo eu sabia. Sabia que de alguma forma ela me amava. Só que eu não quis fazer nada a respeito. É gostoso se sentir assim e incômodo sair dessa zona de amor sem cobrança.

Ainda bem que mulheres são consideradas loucas e histéricas já de nascença, assim fica mais fácil de lidar com a minha falta de cuidado. De justificar pra mim e pra ela que foi ela que se apaixonou por mim. Eu só fui uma parte dessa história.

Me surpreendi quando ela disse que estava caindo fora. Achei que ela estava controlando o que sentia, assim como os dias da tabelinha. Na verdade achei que o meu vazio poderia passar despercebido por mais tempo.

Teve um dia que até achei que ela tinha engravidado. Pirei. Mas também seria fácil deixar isso de lado caso tivesse realmente acontecido. Ainda bem que ela estava no controle, se não do seu coração, do seu útero. Eu não preciso pensar em nada disso.

Posso botar um filho ou um amor dentro de alguém e continuar com a minha vida.
Cada um que cuide do que bota dentro de si.

Ela se apaixonou por mim.
Que azar.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Você

Eu tenho um segredo escondido. Quase que até de mim ele passou sem ser percebido.
É algo que tem a ver com a minha vontade de sair da cama, com o silêncio que não me incomoda mais, com o desejo de ser mais.

Está envolto em várias camadas de disfarces e negações. Em um lugar de difícil alcance.
Lá estão enterradas vontades, medos, passagens. Quem vê pela superfície acha que é orgulho (ou a falta dele). Disfarço bem.

Habita em um lugar ermo, mas ao mesmo tempo cheio de luz. Própria.
Reflete horizontes de contos de fadas e procrastinações acadêmicas.
Alimenta-se de si e produz a si mesmo.

Esse segredo é autoimune, autoral, automático. Mas não tem nada a ver comigo, pelo menos não diretamente. Ele existe em um espaço que foi tomado em mim, que pouca gente pode ver.

Esse segredo é amparo disfarçado de amor.
Calma em riso e retorno em despedida.

Eu tenho um segredo sem ter: você.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Fomos

Inevitavelmente tenho revisitado alguns dos lugares que fomos.
Aquele café, aquela risada na grama, aquele bar em que demorou, mas você me conquistou.
Tenho usado de novo as roupas que tinha escolhido pra sair com você, tentando criar novas memórias com elas, pois esquecê-las no cabide não vai resolver. Assim como deixar de lado o fato de que não está sendo fácil lidar com tudo seu que ficou aqui em mim.

Dos lugares que menos queria ir é aos que fomos. Os que fomos algo.
Duas pessoas, um só, amigos, amantes, queridos e também indiferentes.
Aos que fomos e não estivemos. Aos que estivemos, mas não fomos.
E também os lugares em que fomos nada.

Ainda não sei se o começo foi o fim ou o fim foi o começo. Às vezes acho que foi ao acaso.
Como um erro que é cometido por todas as razões certas, mas que não deixa de ser um erro.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

De novo

Eu vou pro Rio pra te esquecer.
Lá eu vou achar um moreno tatuado que estará disposto a fazer tanto ou mais estrago que você.
No meio do carioquês eu vou me lembrar de que a gente adorava sotaques. E pode ter sido por isso que não demos certo. Digo, por sermos do mesmo lugar, eu e você.

Ah, deixa pra lá.
Deixa pros cantos, pras quinas e seus encontros com dedinhos do pé, pras ondas, pros grãos de areia. Eles resolverão a situação do meu coração que se apequenou, tentando fugir de você.

Eu lembro do dia em que te aceitei de novo e jurei que ia ser a última chance.
E foi.
Só que às vezes eu penso que talvez só mais umazinha seria o suficiente pra gente se entender. Mas entender o quê? Se nem fomos, quem dirá voltamos.

Bom, a passagem já está comprada. Vou pro Rio ao entardecer de uma sexta-feira. A não ser que você queira me ver. Aí eu ligo pra companhia aérea, brigo com a moça do atendimento (polidamente, pode deixar) e aceito a contra gosto meus 40% de volta. Mas eu sorrio. Sorrio porque eu vou te ver.

Então você não vem.
E eu penso: ainda bem que só ensaiei ligar pra cancelar a passagem. Era só um delírio do meu coração, uma ideia que joguei pro universo pra ver se ele arranjava esse encontro. Esse eu e você de novo.

Mas eu vou pro Rio pra te esquecer. Ou pra pelo menos lembrar o porquê de eu gostar tanto assim de você. Que nem disco arranhado do Marcelo Camelo, que eu ouço lembrando de tão pouca coisa sua. Então chacoalho a cabeça numa tentativa de espantar você do pensamento, no meio do aeroporto.

Sorrio pra aeromoça e ensaio contar pra todo mundo como eu vou te esquecer.
E eu te esqueci.
Mas na volta eu lembrei de você. De novo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Minha casa

Meu coração é uma casa.
Nela tem teto, chão, paredes, dois quartos e uma sala-cozinha. É um canto comum, um lar.

Todo mundo que lá entra, já desenha seu espaço preferido no chão, traz flores, decora, escolhe uma música e senta. Às vezes a casa está cheia de gente, às vezes só uma pessoa já a superlota e em outras eu mesma me basto.

Já houve demolição, rearranjo, desconstrução, mudança de móveis, depredação. E cada pessoa que lá mora fez parte de um processo. Ou vários.

Lá, mesmo que vá embora, sempre haverá morada para quem esteve, para quem foi sem convite e para quem apareceu com hora marcada.

De fora, pela janela, se você prestar bem atenção, vai ver sempre uma torta de maçã, uma massa acompanhada por um bom vinho, cachorros tomando conta dos sofás e marcas de mãos de criança na geladeira. Sempre vai ter passagem, tempo e alguém.

Às vezes eu fujo de casa, não estou. Fico do lado de fora, tentando entender e até esquecer algumas das mudanças que aconteceram lá dentro. Vejo fotos no teto, quadros sobre as mesas e lençóis no chão. Aí eu aceito e entro, retorno para a essência que, mesmo desorganizada, ainda é a mesma.

Lá é lugar de muitas coisas, de muitas pessoas, de construção. Tem passarinho solto e gente na gaiola. É de lá que sai o que crio, das ilusões aos assobios. É ali que construo o que sinto, do erro ao desafio.

Meu coração é uma casa. A minha casa.
E é sua também, pelo tempo que precisar ficar.
Quer entrar?

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Estive

No grito não cabe:
a falta, o foco, o outro ou dois.
Falta a pílula, o estímulo, a fé e o poço. Fundo.

A boca não fala.
Fica parada, aberta, esperando mosca na sopa ou outra pessoa que coloque pra dentro o ar que sopra nessa falta. Nessa falha.

Falha o choro, a reza, o ódio.
Sobra amor perdido na chuva e na sombra de quem não o quer.

Tem gente que acha absurdo o sumiço, o non sense e a desimportância.

Eu já sabia. Já esperava não poder esperar. Mas não é a consciência que facilita. Ela agrava, aponta na carne e abre com bisturi o fato de que na tua cara, na tua boca, na tua alma, eu nem fui nada, só estive.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Desamar

Eu não sei desamar. Das muitas coisas que a minha mente e corpo são capazes de aprender, eu não sei desamar.

Mesmo quando o amor acaba, quando não há mais paixão ou motivos pra guardar alguém no coração, eu ainda o deixo lá. Mas como amar sem amor? Na verdade não acho que o amor acaba, ele só muda de lugar. Por isso acho que o único jeito de realmente desabitar o coração é desamar. Mas eu não consigo. Na verdade, não quero.

Por mais que alguns amores se tornem monstros embaixo da cama e fantasmas em mente vazia, eles fazem parte de mim, do meu amor como é hoje, da minha forma de amar que não é mais a mesma de antes.

O maior medo que tenho é aprender a desamar e depois não conseguir amar de novo. Isso, porque acho que desamor é um corte muito profundo no coração, daqueles que só fecham por fora, só criam casquinha, mas que dentro ainda sangram.

Não quero ter medo do amor ou de amar. Talvez seja por isso que fico tão triste ao encontrar alguém assim, não por mim, mas pelas borboletas encasuladas em seu estômago que esperam pra poder sair, pelos momentos de loucura que esperam os ponteiros do relógio lentamente passarem em vão, pelo brilho na sua alma que espera um toque pra reacender.

Mesmo que eu carregue comigo o peso de cada pedaço de quem amei, ainda prefiro esses quilos a mais do que desamar. Mesmo que eu esqueça, que eu não perdoe, que eu não volte, saiba que sempre estará ancorado em mim o amor que eu te dei.

Deve ser reconfortante saber que  o passado do nosso amor tem teto. Tem chão. Eu não o abandonei.
Desamar é desabitar o outro da gente e a gente do outro. Desabrigar seu peito, pôr na rua o seu colo.

Por isso e por tantos outros motivos, posso não te amar mais, mas de alguma forma o seu amor sempre estará aqui, na fundação de quem sou e de quem serei.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Coragem

Eu acredito nos seus olhos, nos seus poros abertos com pelos arrepiados, na sua mão.
Sinto que de todo cosmos, dos planetas e dos incontáveis seres amantes, somos par.
Eu vejo teus movimentos contrários ao que sinto e desejo, mas prefiro crer na minha intuição.

Até que finalmente tiro de minha frente o espelho para ver sua verdade, seu eu, seu todo, sem minha projeção. Chego, então, à conclusão de que era minha a beleza, o sonho e a paixão. O que você não me oferecia, criei, e por engano me apeguei ao que queria, não ao que havia.

Chega-se, então, ao momento de (de)cisão em que largo da tua mão e pego na minha. Deixo você ir, para poder voar aonde me interessa, sem peso e sem pressa.

Como diria o poeta, "coragem amor, coragem". De enxergar a resposta além do que os olhos querem ver, de deixar que vá e que venha, de merecer o que se tem.
O amor vem, mas tem que se dar para ser.

domingo, 4 de outubro de 2015

Habita-me

Eu quero um bloco de rascunho amarelo com linhas azuis, à la universidade americana, para tentar traduzir os pensamentos sem fronteiras que você fabrica em mim.

Penso em pontilhar todas suas curvas linhas e comemorar a descoberta de seus trópicos.

Degustar seus pontos cartesianos e me orientar pelos seus horizontes.

Quero me perder em suas florestas e preservar seu rios, nutri-los, avolumá-los enquanto passeio por suas pedras e perdas, colocando o passado em seu devido lugar e assumindo-me presente.

Seu corpo, continente de meu país. Quero construir uma casa, fazer um jardim e estacionar em nós.

Isso tudo porque quando você sorri em meu ouvido, canta em meus olhos e fala com a minha boca, irresistivelmente faz um convite: habita-me. E é aqui, agora, que quero morar, fazer castelo e viver. Você em mim e eu em você.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Amor verdadeiro

Há quem diga que quando a gente aprende a se amar, o amor verdadeiro, de outra pessoa, vem também. Finalmente aquela maravilha idealizada vai chegar no momento certo, na hora certa. Mas isso não é necessariamente verdade.

Primeiro porque não acho que amor é algo que aprendemos, mas algo que permitimos, seja em relação ao outro ou a nós mesmos, seja consciente ou inconscientemente. Segundo porque acredito que quando você descobre o que o faz ser você mesmo e deixa-se amar cada pedacinho de suas imperfeições e de suas qualidades (se não todas, uma boa parte), na realidade você se depara com um monte de gente perdida ou nada a ver com você, que antes eram potenciais amores ou amigos.

Não que essas pessoas não existissem antes ou que tenham mudado da noite para o dia, elas estavam lá, mas estávamos tão entretidos com nossas inseguranças, que não olhamos para elas de verdade e achamos que elas poderiam ter algo a ver com a gente, que iriam trazer algo bom pras nossas vidas, mas não.

Pessoas novas também se aproximam e, por incrível que pareça, pela primeira vez nos damos o direito de dizer não e de afastar energias que não queremos por perto, não porque amor é orgulho, mas porque é cuidado e atenção. Porque qualquer coisa não serve mais. Porque conformar-se e adequar-se não é mais prioridade. Mas, sim, ser e receber intensamente, deixar o coração falar e duvidar do que não aquece o peito.

Além disso, não é porque você se ama e se respeita que o amor da sua vida vai bater à sua porta. Você só vai saber com um pouco mais de clareza quais portas fechar e em quais pode bater.

Amar-se talvez também seja entender que ninguém é perfeito, começando pela gente. Idealizar alguém é um veneno, seja o outro ou o ser refletido no espelho. Quem sabe não estaremos prontos para amarmos e sermos amados por inteiro ao acolhermos a nós mesmos, integralmente... Com cabelo em pé, cara de sono e falta de disposição ou vontade.

Amar-se talvez seja permitir que todo amor seja verdadeiro, pois ele já tem morada lá dentro e não se importa mais com o que não mora no peito.

sábado, 26 de setembro de 2015

Família

Pelas famílias que deixam de existir quando acaba o amor...
Quando se quebram, ou se perdem, até se esquecem...

Pelas famílias que são forjadas por pais que recebem crianças indesejadas e que as negligenciarão, as forçarão a trabalhar e não irão garantir sua segurança, seu desenvolvimento como seres humanos, sua formação como cidadãos...

Pelas crianças que não conhecerão o amor incondicional de alguém que as quer perto, que não terão sua comida preferida feita no dia de seu aniversário e que não levarão uma bronca daquelas que constroem caráter.

Pelas crianças que vão passar frio e fome e que terão que ser fortes quando a sociedade as ignorar todos os dias.

Pelas crianças que serão abusadas por pessoas com o mesmo sangue.
Pelas crianças que serão abusadas por pessoas com sangue diferente, mas função parental ou função nenhuma.

Pelas crianças que não terão o direito de serem crianças. De serem amadas e acolhidas.

Pelas crianças que deixarão de ter e ser família porque alguém decidiu que o amor deve ser formatado. Que o amor tem que se enquadrar em rótulos.

E quando o poder é das pessoas que têm medo de conhecer todas as formas de amar, acontecem absurdos. Elas não deveriam poder decidir por aqueles que são os mais puros, cheios de amor e livres de preconceitos.

Cada criança tem sua individualidade, seu jeito, seus traços. Se todos somos diferentes por que as famílias, união do que cada indivíduo envolvido tem de melhor, deveriam seguir um padrão?

Ao invés de dinheiro no farol, deveríamos poder dar luz para o coração das nossas crianças.
Amor e luz.
Mas agora é proibido amar, já já será proibido ser feliz, pois não somos livres há tempos.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Passe

Passe do limite.
Passe o tempo que quiser tirando fotos de si mesmo, da árvore, do poste, de um estranho na rua.
Passe do ponto, passe da hora, passe pra outra.

Passe perfume antes de ir para a cama sozinho.
Passe o maior tempo possível se amando. É bom.
Passe pra trás a ideia de que se achar é ruim. Se ache, se perca, se tenha. Se seja.

Passe alguns minutos lembrando porquê o seu ouvido não é penico, porquê sua vida não é penico, muito menos seu coração. Despenique-se.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Sobre saudade

Às vezes eu acho que saudade é um sinal do amor. Em outras, acho que é um sinal comum.

No comecinho do amor, aquela pontada de saudade inesperada mostra que devemos prestar atenção no que está acontecendo em nosso coração. Algo novo se aproxima, mesmo que seja de alguém já conhecido, e estamos preparando um espaço dentro da gente para acolhê-lo. Ao mesmo tempo, essa pontada pode ser só uma lembrança de alguém, disfarçada de falta.

Durante o amor é possível sentir saudade de alguém que está ao nosso lado. Pode ser porque a gente antecipa os momentos distantes e até acha que pra tudo aquilo que tem dentro do peito, não haveria vidas suficientes para chegar até o final. Por outro lado, essa sensação pode ser fruto de uma quebra na rotina que vem como aviso, da mesma forma que a gente sente falta (e vontade) quando lembra que no dia anterior não comeu arroz e feijão.

Na despedida do amor, a pontada de saudade é acompanhada de um tipo de dor que só o amor apresenta, que vai mudando e diminuindo até acabar. Mas também pode ser só uma quebra de costume e hábito com que, como em toda dieta, a gente se acostuma.

É difícil desligar o sentir falta do amar, mas a saudade tem vida própria. Se ainda posso e quero ansiar alguma coisa, acho que desejaria algo do amor, mesmo quando confundido com outras coisas.

O que eu ainda espero do amor é que passe, que chegue e que cure. A saudade vem depois.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Fuga

O seu rosto. No meio de uma multidão, encontrei alguém com o seu rosto. Assustei-me com a obviedade desse meu ato falho de querer te ver e ter perto. De te buscar em alguém que não conheço e parar no meio do caminho pra lembrar de como você é. Do que me encantou e que agora desencanta.

A sua voz. Entre tantas outras vozes falantes, uma igual à sua me puxa pela orelha pra perto do seu peito. Da nossa memória. Não acho que tenhamos tido algo nosso, mas tenho certeza de que lembramos de estar juntos da mesma maneira. Não com a mesma intensidade, mas com o mesmo brilho.

Seu trajeto. As linhas ainda marcadas no meu corpo, dos deslizamentos da sua intenção, fizeram-me tomar uma decisão. Meu corpo está fechado para turistas. Não porque não haja descobrimento e ganhos na exploração temporária do outro, mas porque a energia contemplada nesse exercício, para mim, é muito cara.

Das fugas todas que fazemos, das intenções que disfarçamos e das desculpas que damos, a mais incompreensível para mim é a tentativa de escape do amor. Então, enquanto você foge, eu sigo, tentando disfarçar que, na verdade, o que você sentia era pouco. E que esse pouco não foi suficiente para transformar passeio em jornada. Nem seria suficiente para suprir, em mim, os horizontes que habito.

Então, enquanto novos caminhos se abrem, a despedida se encerra. Em frente, sempre em frente, para fugas diferentes.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O beijo

Fiquei pensando naquele beijo que deixamos de dar. Naquele fim de semana que, com medo, deixei de lado te acompanhar. Em todas as coisas que aconteceram desde então. Nem sei por onde começar.
Eu amei outras pessoas, você também. Quebrei o meu coração, você também. Feri alguém profundamente e acho que você também.

Tive medo, fiquei doente, dei ótimas gargalhadas e passos tão corajosos que eu ainda não tive tempo de perceber o quão arriscados foram. Você aí, do outro lado, que reacendeu a dúvida com um gesto singelo, deve ter algumas histórias fascinantes pra contar e muitas outras para ouvir. Cada um de nós com um lado da história, com uma impressão da vida, com outro ponto para a mesma vista.

Mas, sabe, hoje eu sei que naquela época ainda não estava pronta. Sinto que você me observa e que tenta ler meus pensamentos e só por isso já ganha um pedaço da minha intenção. E aqui, em mim, a intenção é o que prepara o terreno pro amor, que permite ao coração apaixonar-se.

Não sei, às vezes eu tenho a sensação de que a nossa história é um roteiro de cinema enterrado na gaveta de algum grande cineasta, esperando ser achado para ser gravado como um projeto paralelo. Sabemos que, muitas vezes, projetos paralelos viram o centro de nossas vidas e você teria um potencial enorme de se tornar o antagonista do meu passado, revolucionando, com um só beijo, a história de dois lados se tornando um só.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Não é você, sou eu

Das coisas que tenho feito errado e das escolhas que me mostram suas consequências todos os dias, a que me tem sido mais cara é a de ter te deixado ir. Com o passar dos anos, tenho percebido o quanto teria sido feliz se tivesse aceitado o seu amor.
Muitos me diriam: mas como você sabe que teria sido feliz? E eu responderia: aquela era a pessoa que mais gratuita e genuinamente me amou. Bem antes de confessar sua paixão, eu já sabia. Via nos seus olhos, no jeito que se contorcia quando estávamos juntos e em outros sinais que eu não levava a sério, mas sabia o que significavam.

Às vezes pela vida, achamos que vamos encontrar pessoas que correspondam ao nosso ideal estético ou à nossa prospecção financeira, mas a verdade é que nunca sabemos o que essas pessoas vão se tornar.
E por mais que você não fosse o modelo integral do que queria ou do que estava acostumado, o que me oferecia era real. Falava na minha cara o que pensava, o que queria e até confessava suas dúvidas e agonias. Dizia que era natural e que nem sabia o porquê de se abrir comigo, mas eu sabia.

Exercia meu poder para te ter por perto e não te perder, mas a verdade é que você era algo que eu nem queria. No fundo eu sabia que ali poderiam acabar muitos vazios, mas na minha maneira de existir eu preferia estar só e ter melancolia pro jantar. Eu sou assim mesmo, pura contradição e carência que não está pronta para cura.
Se a gente se permite ser amado e assume que a procura por um par acabou, acabamos tendo que lidar com nós mesmos e acho que, pra isso, é preciso muita coragem.

No fim, prefiro acreditar que você não era pra mim, se não teria feito dar certo. Nem sei porque precisei dar tantas desculpas ou justificar meus erros, afinal não era pra ser.
A gente se coloca em cada situação na vida que só nos resta colocar culpa no que está fora da gente para não termos que encarar o quanto somos responsáveis pelo que nos faz mal.

E não é que a história do "não é você, sou eu", pode ser verdade?

sábado, 29 de agosto de 2015

Tem dias

Tem dias que o coração fica gelado. A gente toma um café, torce pra chegar logo em casa e ficar embaixo das cobertas. Reza para todos os deuses e deusas fazerem com que tudo tenha sido um engano ou que pelo menos tenha passado amanhã. Mas já sabemos que não vai passar.

Tem dias que até a pressão cai, sinal do coração estar pensando em desistir. Que você se sente descolado da realidade que te cerca, do amor que vem de tantos lados e da sua imagem no espelho.

Tem dias que o nome da gente para de fazer sentido. Que não adianta a gente contar e recontar tudo de bom e ruim que passou por nossas vidas.

Tem dias em que a gente autoriza alguém a rasgar nosso coração, a tirá-lo de dentro da gente e expô-lo ao mundo, porque no fundo a gente sabe que amar é confiar o que temos de mais precioso a alguém que pode nem querer recebê-lo e é dar ao outro o poder de machucar-nos, esperando que ele não o faça.

Tem dias que as palavras não bastam, mesmo que elas venham, e que sentimentos vazam por poros inimagináveis.

Tem que dias que se eu te contasse tudo o que está acontecendo dentro de mim, você transbordaria.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Tatuagem

Tenho certeza de que daquela vez encontrei o amor da minha vida. O único. O cara.
Aquele que representava tudo o que eu queria ter e ser. Que tinha os mesmos gostos, gestos e risos. Os mesmos planos de vida.
Éramos tão parecidos e nos colamos de um jeito... que formamos um mosaico de muito mau gosto.

Lá no núcleo éramos o par perfeito, ideal, mas tínhamos adicionado tantas camadas de desgentilezas e murros emocionais que nos transformamos em uma bola de coisas grotescas. Possessão, descontrole, medo e desamor - um pelo outro e também por nós mesmos.

Ainda acho que aquele era o amor da minha vida.
Mas aquela vida que eu vivia não é mais minha.

Meus risos não se dão pelas mesmas coisas, meus gostos e gestos alçaram outros voos.
Tudo mudou, eu também.
O amor se transformou e o mundo também.

Outras vidas surgem como camadas de pele e há de vir um amor que ficará por várias delas.
Tatuagem.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Refém

Refém do mar que habita meus olhos. Que foge das barreiras construídas com pedras e vidro.
Que escapa entre os dedos e me leva nas correntezas dos sentimentos que não conheço.

Refém das minhas ideias e das mechas do cabelo que não controlo. Dos desejos que não quero ter, mas me têm.

Refém dos programas de TV que me dizem qual é o comportamento mais seguro.
E dessa mania de querer segurança, sem entender que violência é a reação humana ao que nos condicionamos a partir do mundo.

Ainda procuramos nos signos astrológicos justificativas para os traços insuportáveis do outro. Somos reféns de projeções e expectativas.

Refém da necessidade de ser olhado, da necessidade de ser necessário.
Das interpretações de nossos horários, compromissos e prioridades.

E se tem vezes em que trocamos horas do dia por horas de sono e horas de sono por momentos de clareza, somos reféns da regra do horário.
Então, permitir-se estar em paz é um desafio que compete com o relógio.

É preciso humildade para aceitar o amor, quando o encontramos sem estar procurando-o. Mas será que a essência humana deixa de procurá-lo?
Não sei. Somos reféns das modularizações e das regras de relacionamento.

Somos reféns do que não aceitamos, do que não tratamos, do que não alcançamos.
Mas o maior cativeiro do mundo é a nossa cabeça.
Somos, em primeiro lugar, nossos próprios reféns, encarcerados em adequação social, emocional, existencial.

Somos reféns do limite num território sem fronteiras.
Deslimite-se.


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Submarino

Olho pela janela procurando sinais do temporal que arrebatou tudo por aqui.
Naquele dia eu combinava com céu cor-de-fim-do-mundo.
Mas estava céu azul e sol.

Em uma dança cósmica e mítica, ocorria a entrega.
Mãos sobre o coração para ver se tenho algum controle sobre ele.
Mas ele se dava, sujeito de amor.

Mergulho em minhas águas aparentemente calmas.
Afogo-me em um eu desconhecido. Abrangente.
Submarino em plena superfície.

Sobe a maré. Eu aqui.
Ancorado, enquanto as ondas do que sei nadam até onde não alcanço.
Estático, como isca no anzol.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Chocante

Perdeu. E alguém achou.
Estranhamente sem nem estar procurando.

Podia estar chocada, preferia estar chocante.
Malucamente alucinante. Profundamente marcante.

"Com licença", disse como quem não é obrigada.
Ideias na mão, coração na cabeça e asas na língua.
Ecos de planos e ação. Sonho e sonhador. Montanha.

Desconexa profundidade, sofreguidão, não.
Era singular, se viu em um sopro plural.

Tentou juntar todos os pontos que trazia em uma só sentença. Mas eram tantas as expressões que deixavam de ser feitas, que achava difícil colocar sentido em alguma coisa.
Até que ponto (.) (?) (!) (...)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Dis(a)tração.

Tem gente que nos atravessa com o que não se pode ver. O olhar, a presença, o afeto, a química, a atenção. Um corte transversal: intenção. Atração que distrai a razão e trai os instintos.

Os poucos fios de cabelo branco em sua barba levaram consigo todas as minhas intenções. As boas, as más, as mais ou menos. Todas. De repente estavam agarradas com cada detalhe que meus olhos poderiam devorar. Deram um nó desgrenhado como seus cabelos e eu me deixei ser preso por aquele sentimento incomodamente bom.

Até aí, nada irremediável. Passamos mil vezes na vida por pessoas que despertam as atenções do corpo. Só que aí nos demos. Trocamos falhas e graças, segredos que todos sabem e humildes demonstrações de que somos alguém no mundo.

Toques no ombro querendo que você se toque. Incinerava-me com suas ideias. Libertava as risadas que estavam presas na garganta e as borboletas que quase me faziam levantar voo.

Estou aqui: atravessado, trançado, homem nu vestido de afeto. Dois iguais, mesmo sexo, querer e jangada. E se tem que ser algo, que seja tesão, porque o amor não "é", ele acontece.

Sinais

No carro que passa, na luz que apaga, no vento que mexe meus cabelos para o lado errado, nas estrelas a muitas luzes de distância, no que esqueço de lembrar e no que lembro de esquecer. Nesses lugares habitam sinais e respostas a serem construídas a partir de pedaços do outro em mim.

(Des)organizando o inconsciente, fertilizando sementes exóticas no que vejo, construindo expressões nos vincos de outras faces, vivo faminta por interpretações. Mesmo que não haja indícios, vou achar um significado para a sua desintenção, para a sua expiração, para o meu desejo de que a nossa vida tenha mais sentido do que razão.

Entendo a falta de significado como incompreensão. O que não pode ser dito ou lembrado, assim está por escolhas que não podemos alcançar. O despertar de uma intenção é sempre plural, entre esquinas e pontes, acertando passos e passados. Não é manobra fácil ou obra da solidão, pois até o silêncio é permitido em conjunto.

Sinais que vejo são declarações do nosso inalcançável íntimo, intimações do nosso subconsciente para vermos aonde podemos parar ou seguir no caminho, pontos que nunca são finais, apenas interrupções e atravessamentos.

Indícios, vestígios, rastros, traços. Representações, recordações ou presságios. Vêm de nós e são para nós, apenas sinais. Vitais.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

(Des)ocupação

E quando é que a vontade tinha se transformado na nova coragem?
Ter vontade era ter coragem. Eu achava que era o medo que desencadeava a coragem, mas na verdade é a vontade. A vontade de ver até onde podemos ir, até onde podemos nos impor, até onde o outro vai deixar que a gente se sobrepuje. A vontade de ver até onde a dor do outro dói, até onde o amor cura, até onde o imperdoável pode chegar.

Você vem querendo me mostrar que nada aconteceu. Mais uma vez tentar provar que o louco era eu. Sutilmente me dominar com uma menção de afeto envolto em espinhos que só dedo espetado sabe reconhecer.
Eu estive lá, sabe? Eu estive naquele lugar em que deixei você me colocar. No fundo da gaveta de suas inseguranças, na esquina do bairro vendendo amor por migalha de pão, no saco de lixo procurando espelho.

Eu peguei na sua mão e fomos nos afogar. Em piras sem cura, em culpas sem motivo. Eu tinha medo da sua mão, dela cansar de atravessar a minha alma e ir de encontro à carne. E mesmo assim eu fiz dela âncora. Nunca chegamos tão longe com ninguém, tão fundo no porém de conviver com alguém.

Na tentativa de ficarem puros, os corações cometem os piores erros, pois a pureza é o adjetivo mais cruel que possa querer sucumbir alguém. Essa mania da gente querer ser deus, deu nisso.

A nossa separação foi desocupar o lugar em que fomos parar juntos, sós. Dentro do buraco em que nos enfiamos, de costas um pro outro. Cavando novos túneis, mais pra baixo ou pra cima, não sei.
Me (des)ocupar de você não foi fácil. Tive que deixar pele e osso pra trás. Resignificar meu nome, relembrar meu eu.

(Des)culpado e (des)ocupado tenho a vontade da coragem e a lembrança do medo para me fazer seguir.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Vontade

Eles tinham tudo pra dar certo. Menos coragem.
Eram diferentes pontos de vida, que se encontraram em ebulição, em uma fila de motivos pra não se estar lá.

Apostaram que a intensidade desaguaria e passaria como temporal. E num descuido, veio um sopro de amor. Daqueles que levantam a saia da moça no meio da rua. Que desacorçoam o soldado perante a invasão. Que realocam fluxos sanguíneos na vontade de ser um só.

O beijo virava susto enquanto caíam nas invenções da pele no coração.
Esbarrando em novos caminhos, desmembrando expectativas, simplificando a possibilidade de serem mais que encontro na deriva, de serem pedra virando areia na onda. Desseguiam o rumo, descegavam a ilusão, desencontravam rio e (a)mar.

Escondiam a imensidão de serem mais que dois na bolha que era viver pros outros, não pra si. Mas quando precisavam de alento, refugiavam-se nos aparentes choques de realidade que o amor dá quando o aceitamos. Chamavam de lembrança, mas era mais uma tentativa de evocar a mão do outro pra dentro de si, num ensaio de consertar seu coração.

As multidões que habitavam seus corpos gritavam "não" a cada ameaça de separação e tinham como problema motivos para paixão. A saudade sorrateiramente aparecia como uma boia na arrebentação das amenidades. Queriam segurar mais forte na ilusão, ensaboada pelas quebras e falhas de projeção.

Escorregavam e colocavam o coração pra dormir. Vez em quando voltava formigando, mas eles ignoravam o incômodo da falta e seguiam. No fundo queriam a vida, antes que a perdessem de vista.
Eles tinham tudo pra dar certo. Menos vontade.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Ausência

Sentada em frente a uma tela iluminada, enrolada na toalha, o que sentia? Nada, não era nada.
Levantou, trocou-se, olhou-se no espelho e imaginou como seria seu rosto se fizesse uma plástica. Será que esse era o retoque que ela precisava? Não, não era nada.

Distraia seus pensamentos imaginando intenções de outros. Olhava com mais cuidado, pesquisava, racionalizava sua intuição desesperada e logo via que não era nada. Afinal, devia parar de procurar no outro o que queria ver em si mesma. Besteira, não era nada.

Barriga vazia, mesmo tendo comido agorinha. Precisava de mais alguma coisa para preencher aquilo... Abria a geladeira e, sob a luz que mostrava culpas e calorias, lutava consigo mesma e falhava, fechando a porta com as mãos abanando. Não, não era nada.

Rememorava aquele quase amor, as sensações, as imagens, o romance... Suspirava e logo lembrava: quase, pra ela, era igual a nada. Não era nada.

E de nadas e quase nadas continuava sua rotina. Sempre levantando a suspeita de que ela estava lá, mas a reduzia a nada, diminuía as vontades, sufocava as dúvidas, confinava as emoções e depois reclamava que se sentia vazia. Mas realmente não era nada, era ausência. Ouvia cada passo que dava, passos ocos, tamborilando cantos tribais (ou seriam triviais?): na-da, na-da, na-da.

terça-feira, 7 de julho de 2015

O grito

“Tô afim de ir a algum lugar, dar um grito”. Disse como quem nutria os últimos suspiros de esperança dentro de si. Ele ouviu. Pegou as chaves de casa e saiu andando chamando-a com a mão em um gesto estático, breve, mas com todos os significados que aquele mundo poderia dar. Ela seguiu.

Ele já sabia que ela era calada pelas manhãs e isso não o incomodava. Não mais. Ele havia deixado pra trás as picuinhas da convivência. Não havia mais tempo pra aquilo. Enquanto caminhavam, ela pensava em sua mania de achar que tudo deveria ter significado. Que nada que fazemos ou que fazem pra gente é sem intenção. A gente pode até não conseguir tocar, ver, ouvir, cheirar, essa intenção, mas ela existe. Um dos fios dos tecidos que nos compõem, é a intenção. Olhava para sua echarpe, ela adorava usar esses acessórios esvoaçantes, e pensava em qual teria sido o primeiro fio de seu tecido. Lembrou da amiga que a deu de presente e olhou pra frente, pra não tropeçar.  Ouviu um barulho de água.

Enquanto caminhavam, ele pensava sobre como poderia vencer aquele silêncio. Como fazer com que voltassem a ser o que quisessem ser, não o que poderia estar escrito em alguma folha do compêndio do universo. Estava exausto, mas ainda tinha força pra achar um lugar em que ela pudesse gritar. Em nenhum momento parou pra pensar o porquê dessa vontade dela de gritar, mas não importava. Só queria deixá-la ser. Ouviu o barulho da água, estavam chegando.

Quando ele escolheu aquele lugar como destino daquele fatídico dia, pensou que a queda d’água poderia ser útil em um momento de fuga. Não imaginava qual seria a reação dela ou o que estaria passando por sua cabeça, mas sentiu paz quando chegaram. Úmido. O ar era bem úmido, cheio de terra molhada, cheiro de água. Ela fechou os olhos e inspirou fundo. O grito não veio. Ela abriu a boca e a coragem estrangulada do grito se agarrou às paredes de sua garganta e ao céu da boca. Lentamente foi descendo ao pulmão – dava pra acompanhar o movimento pela mão dela no peito. Chegou. Tirou o ar. Secou. Ela olhou para o lado como quem pedisse ajuda, mas ele sabia que não podia ajudar. Nem se tirasse suas mãos de seu pescoço estrangulado ele poderia ajudá-la. Não havia nada mais que pudesse fazer por ela. Nem ele, nem ninguém. Ela dobrou os joelhos, agarrando o braço dele com força, como quem procurasse força, mas não lutou. Se deixou levar, sem seu grito, sem sua dor, sem ar, sem nada.

Afastaram-se e seguiram, cada um por sua margem do rio. Libertos.

sábado, 4 de julho de 2015

Inverno (parte 3)

Um encontro casual para os que passavam apressados por aquela rua, naquela hora, naquela manhã. Se alguém observasse com atenção veria dois corações saindo do peito, querendo se encontrar. De blusa amarela, chegava cheio de esperança e palpitações: ele (...ela ou a outra parte de um amor que era o caso que viria). Distraída, tropeçando nos próprios passos para o que o caminho lhe mostrasse aonde ir, a admiradora de árvores se sentia pronta para atravessar os rumos além do amor.

Poderiam ser de filos diferentes, semelhantes em suas divergências. Na primeira troca de palavras, na superficialidade, pareciam não ter nada em comum. Já aviso: não era um amor previsível, televisionável.
Mas eles não estavam presos a detalhes, estavam prontos para reescrever fábulas, queriam conhecer o limite.

O que tinham era carne, mas mais que corpo. Também era sonho, com requintes de Stephen King. Era medo, que possibilitava o nascimento da coragem. Era extraordinário, mas irritantemente simples - como a inevitabilidade do cessar da dor, de amar o que se espera que esteja lá e se desiludir, sobrevivendo às brevidades do amor. Era querer estar só, mas precisar acordar junto todos os dias. Era piada e lágrima... Era real.

Ela. Uma parte. Parecia perdida entre as folhagens das árvores que despetalavam o outono.
Ele. Outra parte. Peito aberto a favor do vento que liderava o caminho para o inverno.
Eram duas porções de um todo muito maior que dois. E se dispunham a acolher, como terra que espera a semente, o que viesse para compô-los nesse infinito que era viver e escolher não viver só.

Eles nem lembram quem falou oi primeiro, só lembram da sensação de perceber que o outro existia... Fotografado nos pelos dos braços, arrepiados até hoje. Quase me convidavam a ver, mas eu estava de passagem. Esperava reencontrá-los quando chegasse novamente. Que essa estação os preparasse para as alegrias da intimidade no verão, para as criações da mente e do coração na primavera, para as perdas que vêm no outono, mas que encontrassem abrigo no "nós" que decidiram criar quando eu chegasse no frio da obviedade do inverno.

Por eles, formigas e cigarras esqueceram suas diferenças e dividiram o que tinham no inverno. Se tinham, se deram. E entre tantas caminhadas que ainda dariam, a do primeiro encontro ficou marcada nas rugas de suas peles. Para os dois, parecia que estavam, finalmente, indo pra casa.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Levaram meu menino

O camburão foi chegando.
Meu menino tava assustado, com a arma que os caras lá de cima do morro deram pra ele na mão.
Ele agiu como se eu nem estivesse lá e eu percebi que dessa vez o negócio tinha sido feio.
Ele devia ter feito algo muito ruim porque as coisas que ele tinha feito antes não causavam tanto efeito assim.

Bateram na porta. Eram eles, buscando meu menino.
Pensei em tudo que eu tinha feito de errado, desde me envolver com o pai dele, até forçar ele a pedir esmola na rua. Mas o que a gente podia fazer? Não tinha o que comer. Mesmo com a ajuda do governo, era tanta falta que a gente tinha que a ajuda não dava. Precisávamos usar a única coisa que ainda parecia fazer os outros ajudarem, a inocência das crianças, como filhotes de cachorro que ganham pedaço de frango na rua. E quando a ajuda não vinha, eu ia em algum mercado do centro pegar alguma coisa pra comer. Uma vez fui presa e acho que foi ai que meu menino virou a chave.

Sempre soubemos do nosso lugar, que somos colocados como inimigos dos que têm. Do outro lado da rua da justiça, num lugar em que não temos direito de sonhar. E como impedir que meu menino procurasse os caminhos que procurou se não havia outros? Falam por aí que ele tinha uma escolha, mas essa escolha não chegou aqui na nossa comunidade.

Eu fiquei sabendo que teve uma mudança e que agora ele vai se juntar com os moços mais velhos que ele, mais experientes. Ele até brincava que se fosse pego, ia virar um bandido de responsa na prisão. Que ia encontrar o Rochinha, um traficante que foi pego aqui no morro há alguns anos, conhecido pela sua crueldade, e que ia aprender tudo o que precisava pra ser bem-sucedido.

Ele me disse que não sabia o que estava fazendo enquanto os policiais arrombavam, sem muita dificuldade, a porta do nosso barraco. Na verdade eu acho que ele sabia, mas não se importou em ser pego. Ninguém tem medo de cadeia, não. Todo mundo tem medo de passar fome de novo, isso sim. De ter que usar roupa rasgada e suja, de não ter água pra beber ou tomar banho. Já ouvi dizer que a gente não tem que ter ambição, que tem que se conformar com o que temos, mas quem não quer uma roupa cheirosa e um perfuminho pra se sentir bem? Nós também temos vontade.

Eles acham que tão fazendo a vontade do povo, mas ninguém pediu a minha opinião. Vai ver porque a gente não é visto como gente. Somos vistos como o outro, como o inimigo e eles querem vingança.
Levaram meu menino e agora ele não vai mais ser meu menino. Vai ser o homem deles. Da força que domina as ruas e não é a policial. Já tinham tirado os sonhos do meu menino desde pequeno e agora iam tirar o resto de infância que ainda havia nele.

O policial falou que ele tinha matado uma moça. Eu fiquei muito triste e pensei se fosse uma filha minha. Mas o meu menino tava morto por dentro faz tempo. Eu tentei, mas ninguém quis ajudar. Ia dar nisso mesmo.
É como diz aquela música que meu menino sempre ouve: "também morre quem atira".

domingo, 28 de junho de 2015

Cigarra (parte 2)

Saí de casa correndo, descabelada, colocando o sapato na rua.
Não tinha nenhum compromisso importante, era mais um ritual. Todas as manhãs caminhava até a livraria na rua debaixo da minha casa e pontualmente sonhava às 9h da manhã.

Cheguei, sentei, pedi um café.
Há alguns meses eu tinha esse estranho hábito de ir até lá e sentar sozinha, esperando que algo de maravilhoso acontecesse.

O café chegou, sem açúcar, do jeito que eu gostava. Enquanto o tomava, olhava para a porta, apreensiva. Era como se tivesse um trato com os universos paralelos para que aquela imponente porta de madeira maciça fosse o portal do amor da minha vida. Toda vez que lembrava disso, ria sozinha da minha imaginação.

Acabei meu café e deixei esses e outros pensamentos utópicos ao lado da xícara para que continuassem no dia seguinte. Será que a vida ainda reservava algo estranhamente maravilhoso para nós? Ah, que besteira.

Saí da livraria, caminhava descompromissada de volta para casa, pensando nos afazeres do dia.
Olhei para minha árvore favorita, com folhas amarelas, que já mostravam sinal de que o outono chegava ao fim.
Tropecei numa pedrinha que chamou minha atenção para o caminho. E foi aí que o vi.

Disfarcei meu rubor, mas ele me olhou. Parecia que tinha me visto bem antes de eu notar sua presença, bem antes, até, de nos encontrarmos. Era como se eu tivesse virado vidraça. Como se as batidas do meu coração fossem as cigarras que habitavam aquela árvore, cantando todas juntas, desacorçoando meus passos.

Fiquei paralisada, não sei dizer bem o porquê.
Percebi ele se aproximar e senti dentro de mim algo novo.
Muito mais que o amor.

(Continua - terceira parte: Inverno - http://giuliagambassi.blogspot.com.br/2015/07/inverno-parte-3.html)

sábado, 27 de junho de 2015

Louca

Eu sou a louca que canta e dança no meio da rua, sozinha, fingindo tocar algum instrumento. Eu sou a louca que conversa e manda beijos pra todos os cachorros e gatos do caminho.
Não tenho medo do ridículo.
Eu sou aquela que anda à noite pelas ruas sem medo, pois sei que nem em ambientes com vigilância estamos seguros. Eu não tenho medo do outro que cruza meu caminho, perdido na rua. 
Tenho medo dos perdidos da vida.
E de me tornar um deles.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Guarda-chuva

Queria um guarda-chuva transparente pra te ver chegar como chuva inesperada. Aquelas que vêm no outono, sabe? Então, você. Folha amarelando, flor despetalando, vento mudando o sentido das árvores...

Essas meias-estações dão a impressão de que algo vai obrigatoriamente acontecer quando a estação inteira chegar. De que outras metades irão se somar a essa nossa incompletude existencial. De que meias-intenções vão evoluir para vontades. Achamos que o vazio é sazonal, mas logo vem mais um ciclo pra reorganizar nossas faltas.

E tão repentinamente quanto o outono se transformou em inverno, veio o sentimento mais rebuliçante de todos. Amar parecia ser tocado por algo que não podia ser sentido. Como se uma mão invisível segurasse meu coração e o ajudasse a bater no ritmo.

As meias-estações viram estações inteiras e nem por isso somam-se partes, raras vezes multiplicam. Que nem eu e você.

Ficarei, eu sei, em desarmonia rítmica quando o inverno acabar, mas logo na primavera outras formas de estar inteira florescerão. Sem meia-estação ou meia-intenção, só eu e as minhas outras metades, germinando em mim.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Vacas magras

A cama vazia.
Roubaram as borboletas do meu estômago. Vazio há nem sei quanto tempo mais.
Pra falar a verdade, não. Não acho que vai ficar tudo bem.
Não acho que alguma coisa vai acontecer pra mudar a sorte que eu tento transformar todos os dias.

E quer saber? Não vou deixar levarem de mim o que chamam de pessimismo. Antes fosse.
Só eu sei dos meus azares, das minhas perdas, dos meus cabelos brancos e eles são tudo do pouco que eu tenho. Se você acha que é pessimismo, pegue todo o seu otimismo, todos os seus sonhos de morar em Londres e venha viver a minha vida. Por um dia.
Te ofereceria um rivotril, mas também não tenho pra dar. Infelizmente nem pra consumir.

Exagero? Pra quem nunca faltou o que pôr no prato ou se preocupou como garantir um teto, pode até ser, pois esse tipo de realidade não existe pra você. Consciência social, dizem, mas ninguém quer a ciência, o empirismo de viver na miséria. Hoje é preciso que um gráfico apareça no jornal nacional para que as pessoas vejam o que está sentado bem ao lado delas ou na frente de seus carros no farol.

Ninguém quer ter que aceitar doação ou caridade. Ninguém quer dó, mas ultimamente é só o que temos pra consumir.

Crise? Só pra quem tinha alguma coisa. Pra quem vive de quase nada uma vida inteira, esse é só mais um buraco que vamos ter que fazer no cinto. Vacas magras.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Formiga (parte 1)

Buscava nos sonhos respostas que só poderiam vir na superfície. O despertador tentou me avisar da hora, mas eu só torcia para que as vibrações do coração chamassem mais atenção que as do celular e que eu não desadormecesse.
 
A força imensa dos possíveis encontros veio, então, me acordar.
Trouxe a sensação de algo que ainda esperava para ser vivido.
Coloquei minha blusa amarela favorita.

Andei como quem se prepara para receber um prêmio.
Peito pra frente, medo pra trás e nariz em pé.
Tropecei.

Meu coração formigava. Vibrações de paixões adormecidas, como pequenas formigas, percorriam meu peito e iam subindo à garganta, até chegarem ao cume. Lá, os comandos de ações têm estado em desordem. Do avesso. Mas não era esse o caso. O caso era o caso que viria.

Continuei andando com a certeza de que ainda existiriam tonturas em primeiros beijos.
Achava que os melhores primeiros beijos eram os dados em bocas conhecidas.
Como quando beijei a Nina pela primeira depois da derrota terrível do Brasil na Copa. Mas o caso não é a Nina. O caso era o caso que viria.

Cruzei um olhar. Pensei: será que é esse? Parei para ver as movimentações que a natureza faz no outono e pensei que o que o amor faz é diferente nos corpos em que habita. Seu poder de transformação cresce quanto mais ficamos parados no mesmo lugar. O que vinha se provando extremamente perigoso.

Parar ou seguir? Não sabia. De repente uma maré ácida de desespero trouxe à tona todos os meus medos sociais. Morreria sozinho?
Então, ela surgiu.

(Continua - segunda parte: Cigarra - http://giuliagambassi.blogspot.com.br/2015/06/cigarra-parte-2.html).





quarta-feira, 17 de junho de 2015

Ah, cara

Ah, cara, eu poderia te amar tanto.
E sei que você me amaria também. Cada um do seu jeito.

Mas talvez você faça parte dos tipos de gente que gosta de falar de amor, mas não de vivê-lo.
Das gentes que adoram ler, ouvir, cantar, escrever, resenhar, gritar o amor, mas que não querem amar.

O que me irrita é essa contradição. Você pode sentir o amor, mas não quer exercer esse sentimento, não quer exauri-lo em todas as suas formas disformes.

O mais absurdo é que a gente podia se amar muito e até dar outro nome pro sentimento louco que iria surgir. Mas você se esconde no silêncio, atrás de pessoas que te feriram e do passado que já passou. Se disfarça na frente de uma pose de descolado, de entendedor do mundo, de vivente de gentes. Mas o que é viver sem sentir? Como se vive alguém sem sentir alguém (mesmo que na imaginação)?

As reais fronteiras a serem desbravadas são as fronteiras das pessoas. E nem precisa pegar estrada.

Ah, cara... A verdade é que eu quero ser acompanhada.
Nunca gostei de jogar nada sozinha, quem dirá jogar a vida fora na solidão.


segunda-feira, 15 de junho de 2015

Sobre atalhos

Pessoas que escolhem sempre o caminho mais curto me incomodam. Que evitam a entrega por medo. Talvez por ressaltarem em mim o desejo de resolver tudo da maneira mais fácil possível. De evitar sofrimentos "desnecessários". Ah, mas que tolice. Somos constituídos e constituintes de cada esforço, cada erro, cada dúvida e decepção.

Ainda acredito que devemos aceitar e entender cada conflito que cruza nosso caminho. Por mais que doa e que não seja fácil.

Procuramos o nosso espelho em um olhar que não é o nosso. Por quê? Talvez porque procuramos aceitação, por estarmos viciados desde a infância a sermos afirmados e legitimados por pessoas em nosso exterior. Muitas vezes não vemos que o primeiro olhar que temos que procurar em nosso espelho é o nosso, não o do outro.

E quando chegar a hora, quando estivermos prontos para sermos nós mesmos, para encontrarmos alguém que não seja o nosso espelho, mas que abra espaço para que possamos deixar transparecer todos os nossos defeitos, falhas, obsessões e amor...
Nesse momento, nesse dia, nesse "pelo resto dos dias do nosso amor", eu não vou querer o atalho. Que venham as lombadas, os buracos, as subidas que ardem a coxa, os declives e as paradinhas no acostamento para simplesmente sorrir e transbordar amor. Que venha o olhar pra quem possamos, a cada piscada, fazer um convite: "vem comigo?".

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Hoje

As noites têm sido tão lindas ultimamente, mas me parecem desperdiçadas quando não posso falar sobre elas com você.
E as minhas risadas pareciam mais sonoras quando você fazia coro a elas. Não deixo de dá-las, mas elas parecem incompletas, secas, mangas verdes no pé.

Não me interessa mais saber se eu entendi tudo errado ou se você que mandou sinais como se não fossem ser interpretados. Não importa mais de quem é a culpa dessa confusão.

Eu te mandei ir, eu sei, mas eu não sabia que não estava pronta.
Acho que prefiro seu incômodo ao seu silêncio.
Não posso te pedir pra voltar, pois você nunca ficou para ter ido embora.
Mas, hoje, queria aproveitar esse desapego ao meu ego, esse clima confessional e sussurrar (bem baixinho): "fica?" .

quinta-feira, 11 de junho de 2015

No peito

Atordoante você.
Como uma lanterna na pupila do maçante, alucinante, pulverizante. Você.
Memórias incansáveis de nós.
Lacerando a minha carapuça de quem superou dores inesquecíveis e curou feridas irremediáveis.

Tempo de ir embora.
Que chegou e se foi e agora vem de novo, mostra que se eu ainda tenho que me lembrar de te esquecer é porque você ainda vive em mim, de alguma forma torta e torturadora.

Ah esse tempo que não tem tempo de cumprir seu papel. Me sacaneia.
A cada renovação de neurônios ainda percebo conexões a você.

Ah se coração falasse e saudade matasse, o mundo teria mais histórias do que bocas para contá-las.
A minha boca do peito ainda canta teu nome, mas virão outros nomes, outras dores, outros você.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Caminhos

Explosão solar. Abriu caminho pra eu te encontrar.
Entre teorias evolutivas, reencarnações e todo o tempo do mundo, uma hora um pensamento se fez.
Comum de dois entre dois milhões, eu e você.

Andamos muito até chegarmos um ao outro. E foi o encontro dos encontros.

Mas mal sabia o sol que, quando explodiu, abriu vários caminhos e outros também chegaram a você e a mim. E chegarão.
Outros pensamentos serão forjados, criados, reinventados, ou ficarão alojados na memória, competindo com o presente.

Já vivemos outros encontros dos encontros, mas esse é o que escolhemos pra repetir várias vezes pela vida.

Pra mim, encontrar você foi como andar entre a natureza.
É que eu adoro passar embaixo de árvores com a copa bem cheia e baixa, e achar um espaço entre os galhos com a minha altura. É como se aquela árvore fosse meu encaixe na natureza. Como se me deixasse passar, como se abrisse caminho para o meu desvio. Você, árvore, e eu, desvio.

Que a sua árvore e a minha enraízem, fazendo sombra em nosso caminho quando a luz do sol estalar nossos medos.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Sequestro

Queria escrever sobre utilidades, mas gosto mesmo é de juntar palavras sobre o amor e quase histórias reais.
Queria falar sobre acontecimentos importantes, históricos, mas só me sobram dizeres sobre vivências.
E quando arrisco uma fala inteligente, o emocional toma conta e encobre qualquer pensamento ultra-racionalizado.

É que tem gente que sequestra nossa atenção. Rouba nossos hábitos e intenções.
Transborda em qualquer ação ou tentativa de voltar a ser o que era, porque quando estamos encantados esquecemos de colocar máscaras ou fingir emoções: somos o que sobra de verdade.

Ah, os sequestros a coração armado.

domingo, 7 de junho de 2015

Procura-se

Procura-se alma que queira amar descomplicadamente.
Que não fique quantificando ou poetizando o amor, permitindo que ele seja o tanto de poesia que transpirar.
Que se entregue, sem medo de se machucar, mas com gana de ver até onde o coração pode ir.
Que não fique preso às formas do corpo, mas às formas com que podemos usá-lo para amar.

Não quero uma história que tenha tudo para dar certo, quero uma história que se dê. Completamente.
Que não se importe com qual é o rumo da minha vida, mas com como eu estou me sentindo agora.
Que não queira contar de seus carimbos no passaporte, mas quantas vezes passou pelo mesmo caminho e, ainda assim, viu beleza e se apaixonou.

Que goste de jazz, mas que também dance Karol Conká.
Além de tudo isso, alguém que queira ficar, mesmo que vá embora.
Afinal, são as vontades que movem o mundo.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Batida

Bateu. Bem de frente. De cara. Na cara.

Era como se viesse o choro, mas não a coragem de chorar.
Como se os lugares não coubessem ela. Era descabimento demais.

Como se precisasse dormir, mas não conseguisse ir para casa.
Como se os pés queimassem em plena sombra, plantados no ar.

Tinha medo. Medo de sentir o que estava sentindo, de dar existência a tudo aquilo que faltava.
Desistência inexistente que se encaixava em todo lugar.

Aqui e lá ainda sentia algo, algum desejo de mudar.
Procurava sinais de que havia uma missão a ser cumprida. Comprida.

Então revelou-se: sossego. Até a próxima batida.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Thriller

O susto dos sustos chegava, despercebido, sem razão lógica, sem explicação.
O sutiã abriu sozinho no meio da rua.
Fazia tempo que sentia que os objetos já não eram mais inanimados.
Era como se assistisse a um desenho em que ela não estivesse no corpo, mas o corpo estivesse nela.

Saiu, coração a mil, era corrida por suas pernas, era atingida pelos seus pensamentos, era sentida pelo seu coração.

Pensou em pedir ajuda, mas o que alegaria?
"Doutor, meu corpo declarou independência". Internação na certa.

É como se as borboletas que a habitam tivessem injetado heroína. E nem tinha heroína da história.
Chegava a quase sair do chão, mas a gravidade a prendia ali. Nada de Newtoniano, mas a gravidade que dava aos fatos desagradáveis da vida a mantinha fixa no mesmo lugar, mesmo que personagens diversos passassem.

E como um bom filme de ficção científica, inclinado a ser classificado como terror mal feito, chegava ao fim sem fim. Só uma tomada externa, fora dela, onde era possível um final feliz.

domingo, 31 de maio de 2015

A âncora

Embarcação perdida em uma tempestade solar. Pairava desvairada entre os tons do vento.
Livre prisioneira a navegar águas atormentadas.

Eram azuis e graves os redemoinhos que a rodeavam, mas logo viria a estiagem, aguda e púrpura nas lentes de seus óculos.

Sopro no deserto de um oásis lacrimal. Tornado.
Olhou para o céu. Chovia sentir.

E veio lhe buscar, veio lhe levar, como ondas do existir. Mas logo avistou uma borda e se agarrou a ela.
Jogou a âncora e a morte abrandou. Buscaria a próxima embarcação.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Acumuladores

Engraçado como vemos as pessoas boas que passam por nossas vidas como algo que tem que ficar. Mas, quando a vida toma seu rumo natural, elas são substituídas por "porquês" e culpas.

Acumulamos culpas e pessoas para recebê-las.
Acumulamos tantas coisas que acreditamos que os nossos erros, nunca os acertos, são lembrados por todos. E quando o que nos resta é reputação e boa intenção, não temos nada. Em absoluto.

As más experiências conseguem passar, são as pessoas que as eternizam, não conseguindo deixá-las virar passado. Fazer um culto à memória do que foi quebrado não vai fazer você mais ou menos frágil.

Mergulhados em uma avalanche de clichês, alocaremos a zona de perigo na fase em que estamos vivendo não no eu que estamos sendo. É aí que mora o perigo.

Acumuladores guardam, em cada lembrança do que passou, um emaranhado de culpas que vai se multiplicando e tomando lugar das reflexões que temos que fazer de nós mesmos.

Você tem ou é?

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Bandeja

Ultimamente estava pensando muito sobre o poder que damos aos outros.
Entregamos de bandeja o que de mais valia temos. O poder do outro sobre a gente.
Poder esse criado por nós. Pode?

Tinha a vida resumida cinco vezes por semana por, pelo menos, sete vozes diferentes. E contava-a pra todo mundo, querendo que chegasse a uma pessoa. Imagem à distância. Compartilhava.

Diálogo monológico do sentir. Não era pra fazer sentido.
Cuidado! Será momentaneamente responsável pelo que cria em sua mente.

E ainda achava cativante isso de estar só. Cativava a vontade de não estar mais.
Mas com alguém que fosse bom o suficiente. Sof(r)ista?


Incapaz de completar qualquer tarefa devido a alta fertilidade.
A inevitabilidade dos prazos fazia com que houvesse produções quase abortivas.


Sensível ao estímulo, porém cega em deslumbramento e em descontentamento.
Se abria para conhecer o mundo que só teria uma bela surra pra oferecer.
Mas era bela.

Episódio


Não é você. Nem eu.
E nem chegou o começo. Não tinha eco para merecer fim.
Foi um ponto.

Bateu a porta atrás de todas as partidas.
Ficando a imensidão das vozes que acreditava dizerem algo e eu.
Sussurro do que queria ouvir.

Mas não era eu. Não era o seu eu.

Não tinha ator, tinha multiplicador. Era estranho a isso.
Precisava enfiar os pés na areia e ser puxada pelo mar para ter estado lá.
Não bastava pra isso.

Amorcêntrico, mesmo que a tendência fosse o amorlivre.
Desmedidamente aplicava denominador comum dois.

O corpo era gaiola do eu. A mente tinha a chave do nós.
No que estaria pensando agora? Liberdade.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A caminho do abissal

Sal. Boca seca. Saía do meio do mar, resgatada.

Tinha ido fundo demais, despressurizando a razão.
Lembrou que, enquanto descia, não se afogava, mas sorria. Olhando para a solidão azul e clara que se afastava enquanto percorria o caminho ao abissal em velocidade máxima, com o peso de seus fardos, amarrados aos pés, ajudando a descer.

Nos últimos momentos de consciência, refletiram as memórias que não conseguia mais alcançar. Da vida fora do mar, onde a alegria era úmida, mas mais seca que molhada.

Estava encharcada por dentro. Àquela altura, era mais sal do que água. Apagou. Mas alguém a puxou.
Voltou como se estivesse fora do corpo, via pelos olhos de outro alguém a tentativa de reanimá-la. .

Cuspiu água e viu, quem a resgatava, era ela mesma vestida de alegria.
Ainda havia duas dela.

Havia naufragado, mas o corpo abriga muitas moradas.
Enquanto retornava a si, viu a outra dela buscando mais uma, outra das duas e revivendo-a.
Olhou em direção ao mar e viu outros corpos se preparando para a descida. Não era hora de sepultar as dores ou transferir culpas.
Correu em direção à água e tirou outra de si de lá. Deixando os fardos a que se havia prendido afundarem. Aos poucos, foram trazendo uma a outra de volta à vida.

Dessalgando as postas da vivência, salvava-se.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Opaca

Embaraçada, trazia anseios infalíveis. Tinha acordado seca.
Densa, mas permeável.

Era delírio e execução, pagamento penal de algo natural. Vulcão.
Canalizado dentro da pele, aflorando em arrepio.

Ferida aberta.
Eram intensas as incisivas que projetava nas suas palavras.
Em nossas conversas monológicas, era apaixonante.

Potencialmente covarde e infinitamente poderosa.
Quando cicatrizava conhecia fim, pelo menos onde morava.

Opaca. Vaporosamente etérea.
Vontade.


sábado, 16 de maio de 2015

O dia em que a Maria parou de se explicar

Todo dia a Maria fazia coisas diferentes, ou se fizesse as mesmas coisas, procurava fazê-las de maneira diferente. Tinha paúra da rotina e de se tornar mais uma. Morria de medo de virar a moça daquela música do Chico. Pena que não percebeu que tentar fugir do comum hoje é tendência.

Toda vez que pensava em fazer algo fora da curva, pensava em tudo o que ia ter explicar pros outros e em como ia frustrar as expectativas deles (que ela tomava como suas por algum padrão social ou alguma coisa que sua mãe disse quando era pequenininha, como "senta que nem mocinha"). Normal (?). E mesmo quando ela resolvia desviar um pouco do caminho inédito (tendo a audácia de controlar a própria vida), mas totalmente previsível (que nem o Missão Impossível 5) se preparava para explicar o que toda gente queria saber.

E todas as vezes em que ia se explicar, preocupava-se em ser didática e, antes de dormir, listava os motivos que a tinham levado até onde estava. Tinha uma metodologia para, pelo menos, terminar a argumentação com os outros sobre sua própria vida de uma maneira que não fosse incômoda para quem perguntava, mas que devastava um pouquinho de seus sonhos todos os dias. Ter que se justificar para fazer sentido no mundo era um autoflagelo incentivado pelo social. Crime de guerra existencial.

Depois de mais um diálogo em que o outro saía vitorioso, sabendo mais do que era melhor pra ela do que ela mesma, estava exausta. Cansada de viver tudo aquilo e de se forçar a tal. Aí Maria percebeu que quanto mais ela explicava, menos entendiam. Quanto mais ela explicava, menos sentido sua vida fazia para si mesma. Tudo que se racionaliza demais perde a lógica natural, estrutural.

Colocou a culpa no vinho por todos aqueles sentimentos e pensamentos. Achou que tinha bebido demais e dormiu. Mas a sociedade não podia esperar atividades cerebrais tão intensas durante o sono. Acordou decidida!

O dia em que Maria parou de se explicar foi libertador. Não tinha que explicar o porquê de querer comer brigadeiro ou o porquê gostava da Dilma. Não tinha que se bastar em ser algo marcado pela definição. Percebeu que ela poderia ser Maria ou Mario, que ela poderia ser ele ou ele(a). Ela amava parênteses! Que ela poderia fazer algo que não desse dinheiro, mas que capitalizasse pensamentos. Que ela era tudo o que coubesse dentro dela e que se ela resolvesse dar um passo atrás ou pro lado, pouco importava a aprovação social.

Dentro dela tudo estava sendo avaliado o tempo todo e se ela achasse que tinha que explicar algo a si mesma, era a ela e somente a ela que devia explicações. E quem quisesse entender, entenderia mesmo sem que ela tivesse que ganhar um pulitzer com seu discurso.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Túnel pro litoral

Fiquei encantado. Não foi à primeira vista, nem mesmo nos primeiros minutos de conversa.
Parecia que você tinha que deixar abrir uma fresta pra que eu pudesse te ver. Não por inteiro, mas um traço, pelo menos, que fosse verdadeiro. E vi. Fiquei paralisado. E logo pensei: será?

Pela primeira vez eu pedi calma. E fomos. Exercendo o risco de se deixar ser preso pelo amor de alguém. Mas não que fosse prisão, era mais um enlaçamento. Encantamento. Aquele momento libertador quando você não procura mais em outros o que agora consegue ver bem na sua frente. Parece coisa de louco, mas era só um dos tipos de amor.

Fomos. Sem possuir, sem controlar, sem enciumar. Mas eu fui mais que você. Afinal, esses caminhos tortos dos espelhos que colocamos nos outros, acabam sempre com alguém dando um(ns) passo(s) a mais. Mesmo assim eu não me importava. Voltava, sem trilha de pão, sempre que sentia que queria te buscar.

Então, chegou a hora. Não sei dizer se de noite ou de dia, pois a mente estava atrapalhada demais pra perceber fuso horário. Percebi que tentar me prender ao que construí de você era como segurar a respiração num túnel à caminho do litoral. Uma aposta comigo mesmo, puramente inútil. E por mais que tentasse não respirar, sabia que se aproximava, na próxima curva, o momento em que ia ter que dar um profundo suspiro e depois te deixar passar, como ar quente.

É que eu queria ser sorte pra trombar você, sem que precisasse vestir medos e máscaras. Só um biquíni confortável e um pouco de filtro solar.
É que eu queria ter sorte pra você ser o que realmente é. Mas talvez isso fosse azar. Não sei. Cheguei a(o)mar.

sábado, 9 de maio de 2015

Do ridículo

Como era ridículo. Dava vergonha só de lembrar.
Do cabaré que o coração fazia pra exibir sua intenção.

Como era fácil. Dava vergonha só de pensar.
Em como é descomplicado e intuitivo submeter o corpo às vontades rasas do coração.

Como era real. Dava vergonha só de sentir.
As transmissões de pensamento que mudavam o cosmos por puro prazer.

Era questão de tesão intelectual que vazou entre as pernas.
E percebia que o ridículo rejuvenesce de dentro pra fora. Das entranhas pulsantes ao coração pululante.

Mas era intenso. Se abrisse espaço pra muita reflexão, ele ficava tímido e sumia.
A lei áurea do ridículo é a ausência.
Nada que um shot de paixão não resolvesse, embrulhando a alma pra viagem e embebedando o coração. Que coração?

O ridículo existe à toa. Por nada. E domina completamente até o mais polido bom senso.
Cuidado com os fósforos! O ridículo é inflamável.
E dava vontade de (ar)riscar. Esganando o senso.
Senso de ridículo.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Intimidade forjada

Invocava o amor com a força de seis ciganas e quatro leitoras de tarô.
Forçava o desejo e cravava o corpo na intenção do outro como se jogasse búzios.
Eram inúmeras as encruzilhadas e nem me deixe começar a falar da projeção astral - afinal, hoje, projetar é amar em modo narcísico.

Insuportavelmente via o desejo distorcer distâncias e alongar (por demais) situações que nasceram e morreram pontuais. Era um baile dos mortos pela vivência de uma ilusão. Um carnaval com mais cinzas do que dias de duração.

Forjar intimidade - via isso se repetir por todo lugar. Estávamos todos viciados em ver potencial no outro de algo que nem nós poderíamos oferecer.
E na verdade o desejo trocava de pele. De tempos em tempos mudava a carne e preenchia outros olhares.

Não queria forçar nada, mas se pegava com o fórceps na mão. Sua intenção era um crime irremediável.

E ainda torcia para que viesse à luz o amor abrangente, livre... em sua dilatação naturalíssima do impossível.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Raso

Olhando de cima, não dava pra ver a profundidade. Resolveu testar a temperatura da água, como quem não quer tudo, e se deparou com o fundo nada fundo.

Era raso.
Gente rasa não se preocupa, não faz promessas.
Gente rasa vaza antes de que se chegue ao fim.

Não dá pra entrar de cabeça em gente rasa. É impossível mergulhar onde só cabem os pés - a não ser que procure um amor paraplégico.

Não enfiam os pés pelas mãos. Cada parte do seu corpo está onde (não) deveria. Sem atrevimento, com boia no braço.

Gente rasa não tem medo de se afogar. E sem medo não há coragem.
Gente rasa precisa de pirotecnia no sexo e não cria intimidade: tem que ir muito fundo pra ser íntimo. E lá, às vezes não tem luz. Gente rasa tem medo do escuro.

Mas gentes rasas também amam e são amáveis. Cativam e são cativadas. Dão risada. Fazem piada. E se apaixonam.
A única questão é: quão fundo você quer ir?

domingo, 3 de maio de 2015

Tempestade

Olhava atentamente para a tempestade que se formava no copo d'água.
Com a cabeça apoiada sobre uma mesa de madeira escura, via as gotas se transformarem em vozes de cada problema, medo e questão.

Caminhava para encontrar cada parte sua em partes outras que o caminho pudesse entregar. Se sentia pronta para aceitar tudo aquilo.
Quem sabe um dia conseguiria deixar aquela parte, que segurava, costurava e colava para não cair, pra outro caminho carregar...

Temos que estar sempre prontos para receber, para agradecer e para despedir. Mas a obrigatoriedade torna o ato falho.
Há mais encontro na despedida que o adeus propriamente dito.

E ainda havia a necessidade de entender. Exercício que a cada dia, quanto mais entendia, menos parecia compreender. Tentava entender por quê precisava entender tantas coisas.

Gole por gole foi vendo a tempestade passar e engolindo o que estava preso na garganta.
E assim foi... até que a tempestade passasse e outra chegasse. Chegou? Garçom, traz mais uma.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Monólogo do cabelo

"O que aconteceu com você? Tá diferente... Mudou o cabelo?"

A resposta que pensei em dar, formulada em meio segundo, resultado de muitas insônias foi:
"Na verdade, sim. Mudei muitas coisas - e o cabelo várias vezes -, mas essa transformação começou há algum tempo. Eu mesma demorei pra perceber. Fui dos tons mais pastéis aos mais intensos nas roupas, nos cabelos e no humor. Agora, diariamente, tento balancear os contrastes e o brilho das nuances internas. Comprei até um shampoo diferente e uns livros clássicos pra apoiar tudo isso. Entretanto, a diferença não está só no cabelo, mas na maneira de olhar para ele e para tantas outras coisas todos os dias como uma oportunidade de moldar o futuro e de construir quem eu realmente quero ser. E não é com a cor ou o volume dos fios que me ocupo, mas com a forma de trançar os dias. Antes acho que só estava, agora procuro ser para, então, poder estar de corpo, alma e cabelo."

Mas aí, respondi só um já esperado:
"Mudei sim, gostou?"

E enquanto ouvia a resposta, percebia - ainda buscava no outro o gosto de mim, a opinião do outro importava mais do que a do espelho, ou do que eu enxergava nele. É... A mudança havia começado, mas ainda estava bem longe do fim.

segunda-feira, 30 de março de 2015

A vida é um sopro

(à Janaina Büll)

De repente me deparei com ela. Potente, estática, absoluta.
Mal sabia como lidar com sua presença, quem dirá vencê-la.

Era escuridão que ultrapassava a velocidade do som e da luz, mas não atrapalhava a visão. Estava lúcida e via com nitidez.

Instintivamente afastei-a, sem me dar conta do poder que estava exercendo. Revolucionei as células, afastei qualquer sinal de desistência ou trégua. Não mostrei a que vim, somente fui - como um rolo compressor de animosidades.

Lentamente se afastou... Da potência restou um vislumbre de posse, da estática moveu-se a última sombra e a única coisa absoluta naquele momento era a minha vontade de expulsá-la dali.
Não foi dessa vez e nem será tão cedo que ela vencerá. Só permanece aquilo que não se luta contra. E enquanto for possível lutar, não estarei à espera, mas pronta para vencer.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

a menina que agigantou

E como pode coisa dessa? Menina que já tem idade impressa em documento agigantar de um dia para outro? "É doença...", disse a tia, "é loucura", disse a vó, "é contagioso", pensou consigo mesma. Mas antes fosse.

Já fazia algum tempo que sua pose encolhida não ornava com o abrilhantado olhar que semeava por corpos outros. Sentia um incômodo na ponta dos ossos, mas como quem agarra um sonho, não deixava que eles esticassem nem um pouquinho só. Seguia encolhida para parecer pequena, pois acreditava que a percepção dos outros estipulava seu tamanho e era inconcebível mudar isso. Já pensou o choque?

Um dia se viu presa frente a uma poça d'água e percebeu um outro eu distorcido no olho de quem olhava. E quem era aquele que olhava? Era ela. Era ela? Pensava, pensava, pensava. Refletia sobre como ela nunca tinha olhado para o próprio reflexo. Nunca tinha tentado se ver, só via o que os outros diziam ver, afinal a maioria sempre está certa, não é mesmo? Não. Começou a pensar e a se olhar e a acolher seus sentimentos, seus medos, seus erros, seus eus e de repente as pernas, os braços, os dedos, a cabeça e por que não os pés, assumiram outro tamanho. Maior, quase contundente. Assustada, procurou algum lugar em que sua imagem coubesse, pois aquela poça era pequena demais àquela altura.

Resolveu trocar a opinião deles por um espelho e não foi que deu certo? Conseguiu se ver e o espanto e medo que a dominavam foram trocados por um sorriso. O encolhimento foi exorcizado por um brilho que nunca tinha visto antes: o seu próprio. Sem desvios em lentes alheias.

Saiu andando com seus passos de gigante, deixando para trás a aparência que não lhe cabia mais. Pararam ela na rua mais vezes do que seus grandes dedos poderiam contar, sempre dizendo: "nossa menina, como você cresceu!" e ela respondia sorridente a cada pessoa que estranhava seu tamanho: "não cresci, não, só parei de me encolher".

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Sede

Um copo. Não sabia se estava cheio ou vazio, mas àquela altura, nem importava. Ela era cafona demais para acreditar em meios termos. Deu um gole.
Olhou pra cima. O céu enviava seus sinais vitais para ela de alguma forma e ela acreditava... Mesmo ultimamente tendo se sentido estrela perdida, porém não desperdiçada.
Abriu a mão e viu um lembrete rabiscado na palma. Entre as linhas que mostravam o futuro, ela esqueceu o que tinha que lembrar. Sinal de que não era importante.
Tomou mais um gole, mas a sede que sentia vinha da sede além da língua e do trato digestivo. Além das ranhuras da pele e dos olhos ressecados. Era um lugar de difícil acesso, mas que não era tão difícil de encontrar.
Então, virou o copo e nada. Mas não se preocupou, afinal, copo vazio também para em pé.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Lá em casa

Ouvi alguém bater na porta. Me assustei. Estranhei que naquele momento em que a casa estava cheia mais alguém poderia entrar. Abri a porta desconfiada, mas era inevitável. Fui olhada antes de olhar e já senti a intensidade do que aquele encontro iria propiciar antes mesmo de dizer "olá".
Ponderei, neguei, resisti, mas, quando vi, a porta estava escancarada, a casa vazia e ele havia entrado. Tomou conta de todos os espaços e eu deixei. 

Então, começamos a transformar a arquitetura daquele que era meu espaço. Comecei a achar que o espaço estava perdendo personalidade, mas mesmo assim eu deixei. Aos poucos fui percebendo algumas coisas fora do lugar. Objetos, retratos, sentimentos. E não me abalei. Pelo menos fingi não me abalar. Sempre achei estranha essa coisa de pertencimento, então apaguei a linha entre eu e ele e deixei que toda migalha minha fosse dele também. Controlada, possuída, governada. Quando olhei mais atentamente, tudo já tinha sido apossado e bagunçado, mas eu não interrompi o movimento, eu deixei que acontecesse.
De repente era mais fácil jogar aquela bagunça em um canto escuro, dentro daquele baú que ficava no canto da sala. E dos ruídos de amor que já haviam se tornado barulhos existenciais, ouvi o silêncio tomar lugar. Mais uma vez não agi. Eu deixei.

O mais estranho de todo esse movimento é que em alguma hora eu parti de lá. Deixei que aquele convidado se tornasse proprietário de tudo e me coloquei do lado de fora do portão do meu próprio lar. Eu deixei que esse fosse meu novo lugar e o assumi como se sempre tivesse vivido lá.

Bizarro pensar em como cheguei ali. Tão bizarro que o convidado percebeu que a casa estava abandonada e, em sua nova posição de dono, resolveu reformar o espaço, deixar a sua cara. O problema é que não havia estrutura pra tudo aquilo que ele queria. Ao invés de pincéis e marretas, ficamos só eu e ele. De repente, uma palavra mal colocada estourou o pote de açúcar. Assustamos, mas como não houve reação contundente, ele evoluiu. Uma ofensa explodiu estrondosamente o encanamento do banheiro. Minhas lágrimas se juntaram às águas do vazamento, então era como se nada tivesse acontecido. Não encontrando obstáculo, continuou sua obra. Aí, como alguém que põe uma porta abaixo, aconteceu. A violência que se aninhava perto de mim me deixou estática, com medo de que uma hora essa fúria fosse direcionada ao meu corpo ao invés da parede que ele já havia esmurrado tantas vezes. Mesmo assim, eu deixei.

Deixei tanto, permiti tantas coisas, que até o hóspede resolveu me deixar. E eu que estava do lado de fora da porta da minha própria vida, me vi pedindo a chave àquele que antes era somente um convidado. E ele já não se importava mais, havia jogado a chave pela janela (que agora era só um buraco escangalhado).

Aí ficamos eu e os escombros. As ruínas. Fiquei do lado de fora até perceber que a destruição tinha levado as portas. Não precisava de chave pra entrar. Voltei pra casa, mas àquela altura via tudo como irremediável. Resolvi me deixar pra trás. E deixei.

Aos poucos, fui engatinhando em direção ao centro de tudo. Parei e observei todo o caos depois de muito tempo vivendo à sua sombra. Tempestades e seca, dias de sol e noites que duravam semanas aconteceram. Mas aí resolvi olhar os escombros como partes minhas que precisavam de reparos. Talvez fosse a hora de abandonar a posição de vítima que aquela casa conhecia bem e conquistar o controle de cada tijolo, cada pedaço de tinta e de louça. Fragmentos são mais fáceis de serem remodelados.

Então, chegou a hora de deixar a confusão ir embora e limpar as partes mais medonhas e sujas. Lidar com cada trinco e cada falha estrutural. Agora, começo a colocar as paredes de pé e vejo que sou a arquiteta e a construtora do que habita meu lar. Do que me habita. Sou responsável pelo lugar em que estava, então vou assumir o lugar em que quero estar.

Na minha casa nova, as dobradiças das portas e os trincos das janelas serão reforçados, mas nada disso importa. São as novas vigas de ferro que vão tornar as intrusões menos drásticas. Elas aparecem só do lado de dentro, mas são o suficiente para proteger e construir meu lar. Lá em casa.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Antes de dar certo

Parados entre um "e se..." e um "não era pra ser". Esse é o estado constante dos eternos insatisfeitos e grandes sonhadores. Sempre pensando no que não deu certo e no que poderia dar. Mas e o meio?

Antes de dar certo é preciso, talvez, parar de se esconder atrás do muro do "não era pra ser". Depois, então, pegar a culpa nas mãos e se responsabilizar pela sua parte dela, resistindo ao costume e delírio do "tudo ou nada", "vítima ou vilão". Na percepção do "eu" deveria caber cada vertente da estúpida lucidez humana e de sua exata loucura. Afinal só somos prisioneiros do que permitimos e só podemos ser livres se o aceitarmos.

Talvez uma pitada daquela coisa batida do "não somos felizes por escolha" seja vital, assim como parar de analisar todo o caminho percorrido para ver qual foi a parte dele que desviou pra onde estamos agora. Concentrar-se e alongar-se para as milhas que ainda serão percorridas também talvez seja um dos primeiros passos que podemos dar para "darmos certo". Não por dinheiro ou por expectativas, mas por nós. Pelo que sentimos de melhor, pois só assim faremos o melhor também.

Saia da pausa dramática e tome a decisão mais corajosa de todas: retomar o rumo ou criar um novo. Mas antes de começar pare, respire fundo e permita e alma e o coração guiarem a razão. Quem sabe esse é o lugar e a hora para dar certo.
Dito tudo isso, chega a hora de declarar o segredo: mexa-se.