quinta-feira, 2 de julho de 2015

Levaram meu menino

O camburão foi chegando.
Meu menino tava assustado, com a arma que os caras lá de cima do morro deram pra ele na mão.
Ele agiu como se eu nem estivesse lá e eu percebi que dessa vez o negócio tinha sido feio.
Ele devia ter feito algo muito ruim porque as coisas que ele tinha feito antes não causavam tanto efeito assim.

Bateram na porta. Eram eles, buscando meu menino.
Pensei em tudo que eu tinha feito de errado, desde me envolver com o pai dele, até forçar ele a pedir esmola na rua. Mas o que a gente podia fazer? Não tinha o que comer. Mesmo com a ajuda do governo, era tanta falta que a gente tinha que a ajuda não dava. Precisávamos usar a única coisa que ainda parecia fazer os outros ajudarem, a inocência das crianças, como filhotes de cachorro que ganham pedaço de frango na rua. E quando a ajuda não vinha, eu ia em algum mercado do centro pegar alguma coisa pra comer. Uma vez fui presa e acho que foi ai que meu menino virou a chave.

Sempre soubemos do nosso lugar, que somos colocados como inimigos dos que têm. Do outro lado da rua da justiça, num lugar em que não temos direito de sonhar. E como impedir que meu menino procurasse os caminhos que procurou se não havia outros? Falam por aí que ele tinha uma escolha, mas essa escolha não chegou aqui na nossa comunidade.

Eu fiquei sabendo que teve uma mudança e que agora ele vai se juntar com os moços mais velhos que ele, mais experientes. Ele até brincava que se fosse pego, ia virar um bandido de responsa na prisão. Que ia encontrar o Rochinha, um traficante que foi pego aqui no morro há alguns anos, conhecido pela sua crueldade, e que ia aprender tudo o que precisava pra ser bem-sucedido.

Ele me disse que não sabia o que estava fazendo enquanto os policiais arrombavam, sem muita dificuldade, a porta do nosso barraco. Na verdade eu acho que ele sabia, mas não se importou em ser pego. Ninguém tem medo de cadeia, não. Todo mundo tem medo de passar fome de novo, isso sim. De ter que usar roupa rasgada e suja, de não ter água pra beber ou tomar banho. Já ouvi dizer que a gente não tem que ter ambição, que tem que se conformar com o que temos, mas quem não quer uma roupa cheirosa e um perfuminho pra se sentir bem? Nós também temos vontade.

Eles acham que tão fazendo a vontade do povo, mas ninguém pediu a minha opinião. Vai ver porque a gente não é visto como gente. Somos vistos como o outro, como o inimigo e eles querem vingança.
Levaram meu menino e agora ele não vai mais ser meu menino. Vai ser o homem deles. Da força que domina as ruas e não é a policial. Já tinham tirado os sonhos do meu menino desde pequeno e agora iam tirar o resto de infância que ainda havia nele.

O policial falou que ele tinha matado uma moça. Eu fiquei muito triste e pensei se fosse uma filha minha. Mas o meu menino tava morto por dentro faz tempo. Eu tentei, mas ninguém quis ajudar. Ia dar nisso mesmo.
É como diz aquela música que meu menino sempre ouve: "também morre quem atira".

2 comentários: