terça-feira, 3 de outubro de 2017

Espera

Esperava no portão e sorria como se seu coração viesse buscá-la.

Mesmo que parecesse que ela estava ansiosa, que todos os rebuliços do mundo habitavam seu estômago, ela calmamente pairava encostada nas barras de ferro do portão cinza daquela rua movimentada, amparada pelo vão do tempo que passou e pelo que ainda acreditava que viria.

"Nada nas mãos para se distrair?", pensava uma moça que passava... Como podia, nessa nossa realidade superacelerada não haver nem um fone de ouvido, nem um livro, celular, ou o que fosse para distraí-la dos momentos perdidos esperando? E o que será que ela esperava?

Altas expectativas passeavam pelas mentes que atravessavam as possibilidades de seus passos... Planos diversos foram feitos para ela: iria começar uma grande viagem, faria uma excelente mudança na carreira, estaria prestes a passar do gostar pro amar, da intenção pro peito de alguém, teria um filho... Nada disso. Enquanto não cruzava nem descruzava olhares com os transeuntes, apenas estava lá, presente, naquele espaço-tempo específico, absorta no momento que se apresentava tal como era: nada. Absoluta e totalmente nada, se nada fizéssemos dele.

Se ela contasse aos curiosos que nada esperava, seria questionada, teria seu corpo vasculhado à procura de alguma doença ainda a ser descoberta. Como podia, nessa encruzilhada que é a vida, não esperar por algo? Não se lançar a algum objetivo, alguma meta a cada possibilidade de segundo que a engrenagem do relógio apresentava?

Se ela respondesse, seria com seus pensamentos em mãos, seus sentimentos nos olhos, as angústias nos ombros e um discreto sorriso que revelava um segredo que ela não queria guardar: a espera estava no olhar de quem queria chegar a algum lugar e, para ela, bastava apreciar - mesmo que por uma brevidade de intenção - o tempo que acontecia e a vida que a ela se dava de presente, incessantemente.

Teria desistido da vida? Não. Havia desistido de transformar o viver em destino, em porto que nunca chega. Tinha, pela primeira vez, vivido. Mas não por muito tempo, pois o que fizemos do mundo é demasiadamente cruel para se viver somente.

Enfim, para o alívio dos que não conseguiriam entender esse seu traçado no mapa do mundo, seguiu seu caminho, deixando pra trás o portão aberto para quem quisesse se atentar à fugacidade do que é viver.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Mar

Universo desfragmentado em gotas, desmontado em microssegundos que não repetirão a mesma forma de antes. Geografia mudando a cada instante, futuro itinerante da força e do carinho das ondas. Bordas e fronteiras: todas imaginárias.

Como buraco sob o lençol do mar na beira da praia, que assusta e entrega ao próximo instante o que vai acontecer, a vida mergulha na gente e se escancara. Onde falta palavra sobra sal. Onde se arrisca um mergulho no outro, fica a intuição e a ilusão de emergir em si.

A ânsia de cuidado que desembrulha no estômago parece ancestral e lembra aquele tempo de flor no deserto. Ainda não choveu por aqui, mas a cicatriz promete céu cinza e trovoada. Tempestade no oceano, prelúdio do que nos precede.

Força cósmica, ilógica e a coragem de ser feliz que eu não perdi, guardei.
Fico aqui, esperando o tempo me deixar escolher ter tempo disso. Finjo que não sou eu a virar ampulheta e dou corda na promessa do (a)mar - (o) que quer que seja.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Grande

Eu gosto de animais grandes
De baleias a elefantes
Porque por mais que seu cérebro não acompanhe seu coração pulsante
Seu órgão bombeante de sangue
Comporta mais amor
Do que o de qualquer ser pensante

segunda-feira, 24 de abril de 2017

A porta

Porta fechada.
Finalmente chegara em casa. E se apoiava contra a porta por alguns segundos, antes de continuar o dia. Era um daqueles estranhos momentos em que parece que paramos o mundo para podermos seguir rodando pela vida.

Aquele pânico, aquela obsessão, aquele mar de sal que escorria de seus olhos, se preparava para a última estreia. Para a última apresentação solo no chão da sala.

Lembrar-se do que eram juntos e aceitar o que são separadamente, agora, resgatava-a. Via que não poderia dar todos os seus quereres para alguém que não reconhecia a despretensão ou o amor gratuito e que fazia do coração um lugar de tortura emocional.

Por que quereria, por que seria, por que se colocaria ali?
Querer aquilo era ser aquilo. E estar lá, mesmo que em negação em um canto esquecido, atestava sua submissão. Mas não mais.

Revisitou a sede de seu (ím)par. E repetiu em sua mente pela enésima vez os piores e melhores flashes, intercalados para que todos tivessem força igual. Mas, na disputa de braços, as melhores memórias admitiram derrota.
Foram-se, uma a uma, sem despedida, sem olhar pra trás.
Era uma sessão de descarrego sem monoteísmo, puramente egocêntrica.

Esvaziou o lado desalumiado e o fundo do peito. Relembrou seu nome e quem era.
Até o ponto em que o outro parou de fazer sentido. E o vazio que tomou o lugar da dor propiciou um novo início.
Porta aberta.

domingo, 9 de abril de 2017

(Des)pretensão

(Des)pretensiosamente quero te amar. Com todas as intenções que esse verbo carrega, como onda do mar que leva oferenda e mau agouro, quero te dar o infinito que me habita. Quero que ele cruze o seu, até quero que ele cruze com o seu e gere maravilhas que só duas almas que se dão ao luxo de estarem perdidas são capazes de criar.


Em um murmúrio ou grito, quero te mostrar todos os anseios que me travam, pra você também me mostrar os seus. Quem sabe, assim, abaixamos o freio de mão e debandamos pelo mundo.


Quietos e mal intencionados, os nossos desejos hão de convir que esse nosso amor, que essa nossa força cósmica, não devem passar batidos. Sinto que, enquanto a gente se beija, nossos hormônios, medos, corações e até hipocrisias bolam um plano pra convencer o universo a deixar nossas vidas seguirem juntas.


Depois de tudo isso, ainda restará a aprovação consciente de que queremos ser tudo isso que somos quando estamos juntos: eu e você. Vai faltar juntar as consoantes e as vogais que terão o poder supremo sobre o nosso presente, expressando verbalmente o que o arrepio da pele já mostra: eu quero.

E depois de todo esse complô inconsciente que nossas almas, mente e corpo fizeram, vai nos restar, meu caro, sermos felizes, sermos dois, sermos nós e a realidade que vier depois.