terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Óculos

Saio do banho, óculos embaçado. Ele ri.
Já não era nem a primeira, nem a última vez que ele achava aquilo extremamente engraçado.
Para mim, era normal, mas forcei um sorriso para não contradizê-lo.
Não adiantou.

Já virou assunto a ser discutido a minha falta de humor pelas manhãs.
O meu silêncio querendo paz.
A minha alma, sem ter mais pra onde fugir.
Mas aí fomos dormir.

No dia seguinte, mesmo caso. Com adicional de desconfiança de que eu tinha um caso.
Não teve banho ou risada, teve ameaça e dedo cara.
Um flash, do nada.
Óculos quebrado. Ele ri.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Eu (s)em mim.

Hoje eu fiquei assim, meio sem mim. A deus dará do destino ou da próxima vez.
Percebi-me perdida da maneira mais pura: entre o que eu pulso e a minha maneira de existir.
Questionei as formas de amar e os termos que usamos pra sentir, sem saber o lugar (ou se há) para ser qualquer coisa, dentro, aqui.

Parece que vejo os silêncios do que não vou dizer, como facas afiadas e apontadas para mim. Às vezes pareço estar vendada, mas o despertar de outros sentidos procura compensar esse não eu, esse não antes.

Componho com o pouco de sensibilidade ou sensorialidade que me sustenta, uma lógica ou uma regra para basear o intangível em mim, que dá forma a toda a matéria em um fio de alma.

Mas de quem é esse olhar que me confronta no espelho? O que guardo, de mim, em segredo, nesse tudo que não alcanço, que não sei que desejo?

Hoje eu fiquei assim, vagarosamente duvidosa, perdida nos espaços entre o eu e o que sei de mim, entre o outro que me habita e a negação que me compõe.

As memórias relampeiam o que eu esqueci e emergem o que nem sei que perdi.

Hoje eu fiquei assim.
Eu (s)em mim.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Conexão

Dentre os muitos aindaporsaberes da vida, falta-me entender a conexão.
Aquela coisa que antes eu chamava de química, mas a que agora dou maior importância e força cósmica, a essa troca de energia que temos com alguém que faz com que levemos um pouquinho dele conosco e que o deixemos levar um tantão da gente com ele.

Conexão pode ser interpretada como amor. Acho que os poetas, os escritores, os jovens, os velhos e as crianças estão tão ávidos e atentos às manifestações desse grande desconhecido que é o amor, que talvez nunca descubramos onde ele começa, onde termina e o que ele é, ou se é só uma conexão.

Quantas vezes tive uma conversa agradável, senti-me acarinhada e querida e achei que estava na presença do meu grande amor. Quantas vezes acolhi alguém, trouxe-o para o meu seio e deixei que se alimentasse do que eu tenho de mais raro, minha energia, achando que seria aquela a chance de encontrar lugar no amor do outro.

Também achei que isso só acontecia uma vez a cada mil anos em galáxias sorteadas, mas a verdade é que conexões acontecem a todo momento. Só precisamos prestar atenção a quem estamos nos ligando.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Cinema

O filme tinha acabado. E, pela primeira vez, ele sentia que também havia enredo depois dos créditos finais. Antes, saía do cinema com um buraco no peito e uma falsa expectativa de, quem sabe, poder ser tão feliz quando aquele casal que aparecia na telona.

Os créditos começaram a passar. E pela primeira vez ele não teve preguiça de levantar e encarar a multidão, porque ao seu lado, de mão colada à sua, estava alguém com quem valeria a pena sair um pouco antes da sala. Alguém com quem ele poderia correr para viver, correr contra o tempo para poder aproveitar cada segundo daquela pessoa que enfim o havia encontrado. Ou ele havia encontrado. Não importava.

Mas também não havia pressa. O filme acabou e ele não pegou o celular, ele só queria ouvir o que aquela boca tinha a dizer, a sua opinião seguida por uma piada casual, só para não perder o costume.
Acabou o filme e, ainda assim, ele tinha um ótimo motivo para sorrir e frio na barriga.

Nem no cinema poderia haver outra história tão linda.