sábado, 16 de maio de 2015

O dia em que a Maria parou de se explicar

Todo dia a Maria fazia coisas diferentes, ou se fizesse as mesmas coisas, procurava fazê-las de maneira diferente. Tinha paúra da rotina e de se tornar mais uma. Morria de medo de virar a moça daquela música do Chico. Pena que não percebeu que tentar fugir do comum hoje é tendência.

Toda vez que pensava em fazer algo fora da curva, pensava em tudo o que ia ter explicar pros outros e em como ia frustrar as expectativas deles (que ela tomava como suas por algum padrão social ou alguma coisa que sua mãe disse quando era pequenininha, como "senta que nem mocinha"). Normal (?). E mesmo quando ela resolvia desviar um pouco do caminho inédito (tendo a audácia de controlar a própria vida), mas totalmente previsível (que nem o Missão Impossível 5) se preparava para explicar o que toda gente queria saber.

E todas as vezes em que ia se explicar, preocupava-se em ser didática e, antes de dormir, listava os motivos que a tinham levado até onde estava. Tinha uma metodologia para, pelo menos, terminar a argumentação com os outros sobre sua própria vida de uma maneira que não fosse incômoda para quem perguntava, mas que devastava um pouquinho de seus sonhos todos os dias. Ter que se justificar para fazer sentido no mundo era um autoflagelo incentivado pelo social. Crime de guerra existencial.

Depois de mais um diálogo em que o outro saía vitorioso, sabendo mais do que era melhor pra ela do que ela mesma, estava exausta. Cansada de viver tudo aquilo e de se forçar a tal. Aí Maria percebeu que quanto mais ela explicava, menos entendiam. Quanto mais ela explicava, menos sentido sua vida fazia para si mesma. Tudo que se racionaliza demais perde a lógica natural, estrutural.

Colocou a culpa no vinho por todos aqueles sentimentos e pensamentos. Achou que tinha bebido demais e dormiu. Mas a sociedade não podia esperar atividades cerebrais tão intensas durante o sono. Acordou decidida!

O dia em que Maria parou de se explicar foi libertador. Não tinha que explicar o porquê de querer comer brigadeiro ou o porquê gostava da Dilma. Não tinha que se bastar em ser algo marcado pela definição. Percebeu que ela poderia ser Maria ou Mario, que ela poderia ser ele ou ele(a). Ela amava parênteses! Que ela poderia fazer algo que não desse dinheiro, mas que capitalizasse pensamentos. Que ela era tudo o que coubesse dentro dela e que se ela resolvesse dar um passo atrás ou pro lado, pouco importava a aprovação social.

Dentro dela tudo estava sendo avaliado o tempo todo e se ela achasse que tinha que explicar algo a si mesma, era a ela e somente a ela que devia explicações. E quem quisesse entender, entenderia mesmo sem que ela tivesse que ganhar um pulitzer com seu discurso.

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