terça-feira, 7 de julho de 2015

O grito

“Tô afim de ir a algum lugar, dar um grito”. Disse como quem nutria os últimos suspiros de esperança dentro de si. Ele ouviu. Pegou as chaves de casa e saiu andando chamando-a com a mão em um gesto estático, breve, mas com todos os significados que aquele mundo poderia dar. Ela seguiu.

Ele já sabia que ela era calada pelas manhãs e isso não o incomodava. Não mais. Ele havia deixado pra trás as picuinhas da convivência. Não havia mais tempo pra aquilo. Enquanto caminhavam, ela pensava em sua mania de achar que tudo deveria ter significado. Que nada que fazemos ou que fazem pra gente é sem intenção. A gente pode até não conseguir tocar, ver, ouvir, cheirar, essa intenção, mas ela existe. Um dos fios dos tecidos que nos compõem, é a intenção. Olhava para sua echarpe, ela adorava usar esses acessórios esvoaçantes, e pensava em qual teria sido o primeiro fio de seu tecido. Lembrou da amiga que a deu de presente e olhou pra frente, pra não tropeçar.  Ouviu um barulho de água.

Enquanto caminhavam, ele pensava sobre como poderia vencer aquele silêncio. Como fazer com que voltassem a ser o que quisessem ser, não o que poderia estar escrito em alguma folha do compêndio do universo. Estava exausto, mas ainda tinha força pra achar um lugar em que ela pudesse gritar. Em nenhum momento parou pra pensar o porquê dessa vontade dela de gritar, mas não importava. Só queria deixá-la ser. Ouviu o barulho da água, estavam chegando.

Quando ele escolheu aquele lugar como destino daquele fatídico dia, pensou que a queda d’água poderia ser útil em um momento de fuga. Não imaginava qual seria a reação dela ou o que estaria passando por sua cabeça, mas sentiu paz quando chegaram. Úmido. O ar era bem úmido, cheio de terra molhada, cheiro de água. Ela fechou os olhos e inspirou fundo. O grito não veio. Ela abriu a boca e a coragem estrangulada do grito se agarrou às paredes de sua garganta e ao céu da boca. Lentamente foi descendo ao pulmão – dava pra acompanhar o movimento pela mão dela no peito. Chegou. Tirou o ar. Secou. Ela olhou para o lado como quem pedisse ajuda, mas ele sabia que não podia ajudar. Nem se tirasse suas mãos de seu pescoço estrangulado ele poderia ajudá-la. Não havia nada mais que pudesse fazer por ela. Nem ele, nem ninguém. Ela dobrou os joelhos, agarrando o braço dele com força, como quem procurasse força, mas não lutou. Se deixou levar, sem seu grito, sem sua dor, sem ar, sem nada.

Afastaram-se e seguiram, cada um por sua margem do rio. Libertos.

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