quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Fomos

Inevitavelmente tenho revisitado alguns dos lugares que fomos.
Aquele café, aquela risada na grama, aquele bar em que demorou, mas você me conquistou.
Tenho usado de novo as roupas que tinha escolhido pra sair com você, tentando criar novas memórias com elas, pois esquecê-las no cabide não vai resolver. Assim como deixar de lado o fato de que não está sendo fácil lidar com tudo seu que ficou aqui em mim.

Dos lugares que menos queria ir é aos que fomos. Os que fomos algo.
Duas pessoas, um só, amigos, amantes, queridos e também indiferentes.
Aos que fomos e não estivemos. Aos que estivemos, mas não fomos.
E também os lugares em que fomos nada.

Ainda não sei se o começo foi o fim ou o fim foi o começo. Às vezes acho que foi ao acaso.
Como um erro que é cometido por todas as razões certas, mas que não deixa de ser um erro.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

De novo

Eu vou pro Rio pra te esquecer.
Lá eu vou achar um moreno tatuado que estará disposto a fazer tanto ou mais estrago que você.
No meio do carioquês eu vou me lembrar de que a gente adorava sotaques. E pode ter sido por isso que não demos certo. Digo, por sermos do mesmo lugar, eu e você.

Ah, deixa pra lá.
Deixa pros cantos, pras quinas e seus encontros com dedinhos do pé, pras ondas, pros grãos de areia. Eles resolverão a situação do meu coração que se apequenou, tentando fugir de você.

Eu lembro do dia em que te aceitei de novo e jurei que ia ser a última chance.
E foi.
Só que às vezes eu penso que talvez só mais umazinha seria o suficiente pra gente se entender. Mas entender o quê? Se nem fomos, quem dirá voltamos.

Bom, a passagem já está comprada. Vou pro Rio ao entardecer de uma sexta-feira. A não ser que você queira me ver. Aí eu ligo pra companhia aérea, brigo com a moça do atendimento (polidamente, pode deixar) e aceito a contra gosto meus 40% de volta. Mas eu sorrio. Sorrio porque eu vou te ver.

Então você não vem.
E eu penso: ainda bem que só ensaiei ligar pra cancelar a passagem. Era só um delírio do meu coração, uma ideia que joguei pro universo pra ver se ele arranjava esse encontro. Esse eu e você de novo.

Mas eu vou pro Rio pra te esquecer. Ou pra pelo menos lembrar o porquê de eu gostar tanto assim de você. Que nem disco arranhado do Marcelo Camelo, que eu ouço lembrando de tão pouca coisa sua. Então chacoalho a cabeça numa tentativa de espantar você do pensamento, no meio do aeroporto.

Sorrio pra aeromoça e ensaio contar pra todo mundo como eu vou te esquecer.
E eu te esqueci.
Mas na volta eu lembrei de você. De novo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Minha casa

Meu coração é uma casa.
Nela tem teto, chão, paredes, dois quartos e uma sala-cozinha. É um canto comum, um lar.

Todo mundo que lá entra, já desenha seu espaço preferido no chão, traz flores, decora, escolhe uma música e senta. Às vezes a casa está cheia de gente, às vezes só uma pessoa já a superlota e em outras eu mesma me basto.

Já houve demolição, rearranjo, desconstrução, mudança de móveis, depredação. E cada pessoa que lá mora fez parte de um processo. Ou vários.

Lá, mesmo que vá embora, sempre haverá morada para quem esteve, para quem foi sem convite e para quem apareceu com hora marcada.

De fora, pela janela, se você prestar bem atenção, vai ver sempre uma torta de maçã, uma massa acompanhada por um bom vinho, cachorros tomando conta dos sofás e marcas de mãos de criança na geladeira. Sempre vai ter passagem, tempo e alguém.

Às vezes eu fujo de casa, não estou. Fico do lado de fora, tentando entender e até esquecer algumas das mudanças que aconteceram lá dentro. Vejo fotos no teto, quadros sobre as mesas e lençóis no chão. Aí eu aceito e entro, retorno para a essência que, mesmo desorganizada, ainda é a mesma.

Lá é lugar de muitas coisas, de muitas pessoas, de construção. Tem passarinho solto e gente na gaiola. É de lá que sai o que crio, das ilusões aos assobios. É ali que construo o que sinto, do erro ao desafio.

Meu coração é uma casa. A minha casa.
E é sua também, pelo tempo que precisar ficar.
Quer entrar?

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Estive

No grito não cabe:
a falta, o foco, o outro ou dois.
Falta a pílula, o estímulo, a fé e o poço. Fundo.

A boca não fala.
Fica parada, aberta, esperando mosca na sopa ou outra pessoa que coloque pra dentro o ar que sopra nessa falta. Nessa falha.

Falha o choro, a reza, o ódio.
Sobra amor perdido na chuva e na sombra de quem não o quer.

Tem gente que acha absurdo o sumiço, o non sense e a desimportância.

Eu já sabia. Já esperava não poder esperar. Mas não é a consciência que facilita. Ela agrava, aponta na carne e abre com bisturi o fato de que na tua cara, na tua boca, na tua alma, eu nem fui nada, só estive.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Desamar

Eu não sei desamar. Das muitas coisas que a minha mente e corpo são capazes de aprender, eu não sei desamar.

Mesmo quando o amor acaba, quando não há mais paixão ou motivos pra guardar alguém no coração, eu ainda o deixo lá. Mas como amar sem amor? Na verdade não acho que o amor acaba, ele só muda de lugar. Por isso acho que o único jeito de realmente desabitar o coração é desamar. Mas eu não consigo. Na verdade, não quero.

Por mais que alguns amores se tornem monstros embaixo da cama e fantasmas em mente vazia, eles fazem parte de mim, do meu amor como é hoje, da minha forma de amar que não é mais a mesma de antes.

O maior medo que tenho é aprender a desamar e depois não conseguir amar de novo. Isso, porque acho que desamor é um corte muito profundo no coração, daqueles que só fecham por fora, só criam casquinha, mas que dentro ainda sangram.

Não quero ter medo do amor ou de amar. Talvez seja por isso que fico tão triste ao encontrar alguém assim, não por mim, mas pelas borboletas encasuladas em seu estômago que esperam pra poder sair, pelos momentos de loucura que esperam os ponteiros do relógio lentamente passarem em vão, pelo brilho na sua alma que espera um toque pra reacender.

Mesmo que eu carregue comigo o peso de cada pedaço de quem amei, ainda prefiro esses quilos a mais do que desamar. Mesmo que eu esqueça, que eu não perdoe, que eu não volte, saiba que sempre estará ancorado em mim o amor que eu te dei.

Deve ser reconfortante saber que  o passado do nosso amor tem teto. Tem chão. Eu não o abandonei.
Desamar é desabitar o outro da gente e a gente do outro. Desabrigar seu peito, pôr na rua o seu colo.

Por isso e por tantos outros motivos, posso não te amar mais, mas de alguma forma o seu amor sempre estará aqui, na fundação de quem sou e de quem serei.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Coragem

Eu acredito nos seus olhos, nos seus poros abertos com pelos arrepiados, na sua mão.
Sinto que de todo cosmos, dos planetas e dos incontáveis seres amantes, somos par.
Eu vejo teus movimentos contrários ao que sinto e desejo, mas prefiro crer na minha intuição.

Até que finalmente tiro de minha frente o espelho para ver sua verdade, seu eu, seu todo, sem minha projeção. Chego, então, à conclusão de que era minha a beleza, o sonho e a paixão. O que você não me oferecia, criei, e por engano me apeguei ao que queria, não ao que havia.

Chega-se, então, ao momento de (de)cisão em que largo da tua mão e pego na minha. Deixo você ir, para poder voar aonde me interessa, sem peso e sem pressa.

Como diria o poeta, "coragem amor, coragem". De enxergar a resposta além do que os olhos querem ver, de deixar que vá e que venha, de merecer o que se tem.
O amor vem, mas tem que se dar para ser.

domingo, 4 de outubro de 2015

Habita-me

Eu quero um bloco de rascunho amarelo com linhas azuis, à la universidade americana, para tentar traduzir os pensamentos sem fronteiras que você fabrica em mim.

Penso em pontilhar todas suas curvas linhas e comemorar a descoberta de seus trópicos.

Degustar seus pontos cartesianos e me orientar pelos seus horizontes.

Quero me perder em suas florestas e preservar seu rios, nutri-los, avolumá-los enquanto passeio por suas pedras e perdas, colocando o passado em seu devido lugar e assumindo-me presente.

Seu corpo, continente de meu país. Quero construir uma casa, fazer um jardim e estacionar em nós.

Isso tudo porque quando você sorri em meu ouvido, canta em meus olhos e fala com a minha boca, irresistivelmente faz um convite: habita-me. E é aqui, agora, que quero morar, fazer castelo e viver. Você em mim e eu em você.