quarta-feira, 27 de julho de 2016

Cem metros rasos

A gente se apaixona pelo desconhecido. Pelo friozinho na barriga de não saber o que vem em seguida.
Poucas são as vezes em que realmente temos interesse em conhecer quem está recebendo nosso afeto. E, muitas vezes, quando é inevitável conhecer esse alguém, pensamos "o que que eu estou fazendo aqui?". Mas essa é uma das inevitabilidades da vida.

É como se o começo ou a tentativa de amor fosse uma prova de cem metros livres. Basta mergulhar e você pode nadar em qualquer modalidade, apenas se dedicando a cumprir aquela distância. E como é bom isso de ser livre e você poder escolher a modalidade, mas... a raia acaba. O outro lado da piscina chega e, mesmo sem fôlego, precisamos sair dela.

De repente você se dá conta de que não está mais na água. Há linhas brancas no chão e competidores alinhados a você para ver quem vai ser a mulher mais rápida ou o homem mais rápido do mundo.

Os cem metros livres viram cem metros rasos. E não só como nome de prova, mas como profundidade de sentidos. O livre se transforma no mais eficaz e o momento inicial do desconhecido vai, tímida e tristemente, se transformando em prova. Então, do nada, você tem que se mostrar a melhor pessoa do mundo. Pelo menos daquele mundo, naquele momento.
Mas será que precisa ser assim?

O amor se transforma quando a gente conhece alguém e deixa de lado as modalidades, as distâncias a serem cumpridas, os treinos... Quando a gente esquece o mergulho e entra na água de barrigada.

E aí vem você. Bala de canhão no lado fundo da piscina. Corrida descalça no chão de terra batida.
Sem campeonato, só (des)graciosa, mas verdadeiramente, alegrando a vida.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Sou

Há certo tempo, eu achava que tinha que ser perfeita em tudo. A melhor filha, a amiga que nunca erra, o amor que nunca falta, a profissional reconhecida, o exemplo.

Há não muito tempo, eu achava que se nunca viajasse pra fora, a vida não teria valido a pena, que se não soubesse dirigir e tivesse um carro antes dos trinta seria motivo de vergonha e que se voltasse a morar com minha família ia ser ridículo.

Aí eu vi que na verdade não era o outro que queria tudo isso de mim, era eu mesma. Que não eram as pessoas ao redor que iam se decepcionar, mas eu mesma, pois quem vive meus dias sem esses itens de status, sou eu. Cada um está mais é preocupado com sua própria vida. Isso me incomodava demais. Acho que principalmente pelo fato de eles estarem certos.

Eu ainda quero muitas coisas, mas não preciso delas. Algumas das metas se mantêm, é importante ter metas, mas só como ponto no horizonte, para servir como um norte. Acho que o que eu consegui ver é que ir um pouco em direção aos outros pontos cardeais me salvou de mim e de toda a nocividade que eu me causava, achando ainda que a cobrança era do outro.

Essa coisa de aniversário tem sido um peso pra mim há muito tempo. Nunca soube muito o porquê e acredito que talvez em análise descubra, mas acho que existe uma pressão de pensar até onde cheguei, onde estou, para onde irei, principalmente considerando a idade e o que todos esperam que eu já tenha nessa época.

Há não muito tempo, resolvi deixar um pouco de lado a preciosa imagem que tinha construído de mim e fui tentar ver o que é que tinha pra mim além de mim. Me perguntava o que será que eu era além do que eu esperava. E não ache que vou colocar aqui que encontrei algo extraordinário, até porque nem acho que a palavra certa seja "encontrar". Mas eu senti que eu não sou nada demais.

Nossa! Como assim? Você está se depreciando? Não, porque também sinto que não sou nada de menos. E foi um alívio. Claro que esses alívios passam e ainda bem, mas consegui me enxergar com mais verdade e olhar pras pessoas ao meu redor com mais verdade.

Aceitei o fato de que posso e vou errar, de que vou ser o pior e o melhor de mim, algumas vezes demais, outras de menos, mas que independentemente de qualquer ponto da curva da vida em que eu esteja, eu vou ser eu. Com imagens construídas ou não. Com carro ou não. Com passaporte carimbado ou não. Com erros e acertos, conquistas e perdas, vergonhas e orgulhos, eu ainda vou ser eu.

Ainda vou aprender muito como filha, errar muito como amiga, faltar com amor e ser um exemplo a não ser seguido. Quanto ao reconhecimento, muito mudou. Uma das maiores lições e honras da minha vida foi perceber, de verdade, não só da boca pro mundo, que reconhecimento não vêm em números, palavras ou apertos de mão, mas em olhares e em momentos de vidas que eu não vou acompanhar ou saber, mas construir. Ser reconhecida sem que ninguém me reconheça é algo indescritível. Sou muito grata a mim mesma por ter me arriscado e tentado me aproximar da minha essência. Claro que não fiz nem farei nada sozinha, mas tudo na nossa vida parte da gente.

Não estou liberta ou em paz, nem me achando ou me humilhando, só aceitei que no fim das contas e das linhas eu sou eu e isso basta.