sábado, 27 de fevereiro de 2016

Café

Esbarrei em uma velha oportunidade na rua outro dia. Nem lembrava mais que ela havia existido, mas foi um cruzar de olhos e ela se revelou. Cansada, mas altiva, presunçosa, como sempre, aquela chance de amar sempre ficava escondida em plena vista.

Trocamos sete dedos de conversa e disse ao seu detentor que estava com um dia cheio, mas que poderíamos marcar um café. Talvez a ideia de escaldar aquela emoção causada por essa troca de nadas, fosse mais forte do que meu inconsciente pudesse disfarçar.

A gente troca muitos nadas por aí. Depois colocamos esses nadas em um lugar de admiração e fantasiamos que talvez pudessem ser suficientes pra gente acalmar todas as coisas que acontecem no coração. Mas nunca são.

Bater na porta que antes estava aberta é sinal de que aquele lugar que você ocupou um tempo atrás, não está disponível. Aquela oportunidade de amar era só mais um monte de vazios colocados no lugar certo, na hora exata. Mas mesmo assim era esperado que fôssemos lá, mendigar, pedir, implorar pra alguém nos amar. Nem que fosse só pra ser o último a dizer "não te quero".

Às vezes as (des)obrigações da vida pesam. Vêm pairando e aterrizam como avião em pouso forçado. Como um mergulho, em um dia frio, em mar revolto. Cada onda quebra uma parte na gente por sabermos que somos obrigados a agir e reagir de determinadas maneiras, evitando nos afogar. Podemos lutar contra isso, mas viver é uma tentativa eterna de desviar dos clichês, de remar contra a maré.

Entre tanta previsibilidade, no entanto, é humano tomar cuidado para não abrir alas vãs em corações que querem nos amar. Tentar eliminar o ciclo vicioso do vazio é cuidar do outro como se fosse nosso coração em jogo.

A gente pode deixa sarar no outro pra curar a gente. Mas sem escaldar no café a promessa de tentar amar diferente.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Fora

Amores exumados em mesas de bar, ensaios de vidas juntas que acontecem enquanto idolatramos a solidão. Estava parado em uma vida ficcional, de tão real que era. De tanto que sentia, só podia ser obra prima em plena criação.

Ganhava segundos a dois para ficar só e lembrá-los. Vivenciá-los às vezes dava preguiça. Abrir espaço em seu peito para a batalha naval dos enamorados não estava em seus planos. Parecia nó em pingo d'água.

Lembrava da última vez que tinha se sentido assim. E tudo o que seguiu. Queria deixar pra lá, não gostava de se sentir assim, fora. Fora do controle, de si, daquilo que já tinha se acostumado a lidar. Ou pelo menos que pensava estar lidando.

Dormiu um sono profundamente desperto para o lado de dentro, para o que estava tentando emergir. Ela estava lá, lindamente etérea, mas com o corpo que desejava. Buscava romper as linhas das cicatrizes que, por fora, só tentavam atuar como algo que o tinha deixado mais forte. Por dentro eram só um abraço esperando ser dado.

Acordou se perguntando onde morava aquela vontade de ser feliz que vez em quando surgia. Cigana, também oblíqua e dissimulada, no mundo dos que sentem, mas não têm coragem de sentir. Era preciso ser forte para ser triste e mais ainda para ser feliz.

Torcia para que ainda restasse tempo e para que se recriasse o amor, não da mesma forma de antes, de controle e insegurança, mas de um jeito novo. Fora do peito só de um, fora do outro e do comum. Que fosse amor, não jogo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Sossego

Têm dias que tudo para de importar. É como se as coisas e as pessoas ficassem suspensas no ar, em silêncio. Mantendo um movimento espantosamente estático. Como se fosse um apelo do sossego, um grito instalado no peito, que trava um duelo na garganta, dando nó.

Às vezes o tempo passa e fica complicado lutar contra a gravidade para deixar penduradas as coisas com as quais não podemos lidar. A impossibilidade desse ato deixa o ar rarefeito e faz com que o que nos veste se transforme em peso, mesmo que estejamos nus.

E ainda tentamos jogar luz em todos os cantos, espalhar clareza e claridade onde não há mais estrelas, nem mesmo o sol. Ficamos tentando ocupar esses lugares escuros e aos poucos vamos perdendo a energia. Até que... Até que vem um apagão. Só que enquanto dura em sua dureza temos a oportunidade resgatar e recriar energia para que a luz volte. Tentamos nos tornar holofotes, focados e fortes só no que (nos) interessa. Mas a tentação da partilha chega como uma criança acanhada com medo do escuro, ou um velho que só quer um abraço, um olhar.

Restabelecemos o (des)equilíbrio das coisas e pessoas até que chega a hora delas ficarem suspensas no ar novamente. Será que com o passar dos anos elas demoram mais para voltarem aos seus lugares? Ou somos nós que prolongamos seu estado? Não sei. Mas ainda sinto o sossego querendo voltar.