quarta-feira, 27 de abril de 2016

Fronteira

Há dias não durmo. Fico cansado durante dias e noites, mas quando os olhos fecham, encontram uma mente intranquila. As pálpebras ganham mais e mais peso enquanto minhas calças se alargam ao meu entorno. E mesmo meu corpo mostrando ser imperioso o descanso, ele me trai em desejos e lembranças que constrangem e doem demais para serem desligados.

Deparo-me com uma visão de mim como terreno neutro. Nem guerra, nem paz. Nem dor, nem conforto. Plácido e revolto, meu rosto, palidamente corado, não desenha começo ou fim. Refém de ocupações que a ele pertencem.

Fumante passivo. Monumento que se torna paisagem, não atraindo olhares, mas estando presente no campo visual de todos que passam. Contenho sentidos provisórios que dependem do olhar do outro para existirem, mas que só são sentidos em mim.

Uma imagem nítida de meu corpo como um território de fronteira me amedronta, persegue e faz-me desviar do caminho. Perco-me em rotas familiares. Linhas imaginárias me atravessam, trópicos sem equador me tornam tórrido.

Fronteira: nem cá, nem lá, mas entre. Ponto de apoio político para apátridas, demarcador cultural para amnésia, porto (in)seguro para refugiados.

Há dias não durmo. Mas sigo marcando espaços, fazendo laços entre territórios que não querem, mas precisam estar ligados. Mesmo cansado, sinto que, de qualquer forma torta, abrigo uma revolução.

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