segunda-feira, 25 de abril de 2016

A solidez dos relacionamentos líquidos


Então, de uma ideia que tenta transmitir certa liberdade, a liquidez dos relacionamentos se tornou obrigatória. Entre amigos e amores, as palavras de ordem são “liquidez”, “amor livre”, “encontrar-se” (perdendo-se em mil outros corpos), “viver o momento” etc. Não que haja um problema em viver e se relacionar dessa forma, mas ela se tornou mandatória. Quase não há escapatória dessa maneira “inovadora”, mas pré-moldada, de se relacionar.

Se você descobre que, na verdade, prefere não ficar com várias pessoas, que não se sente bem numa liquidez em que o cuidado e o carinho escapam pelos dedos, você está atrelado a uma ideia de pertença e domínio que é retrógrada. Porém, escapa de alguns que não é o fato de não se sentir à vontade com um relacionamento aberto que as cobranças serão feitas de uma maneira mais intensa ou que até existirão. Toda obrigação prende a gente, mas ela pode estar presente tanto em alguns relacionamentos "tradicionais" quanto no fato de necessariamente precisarmos nos relacionar dessa maneira "livre".

Falta um senso de responsabilidade ao se relacionar com o outro. Responsabilidade pelo que causamos e pelo que queremos. Pelo que causamos por acharmos que o outro se enganou sozinho, que construiu expectativas sozinho, ou até que errou sozinho. Não, em um relacionamento nada acontece sozinho, nem o erro, nem o acerto. Já a responsabilidade pelo que queremos é assumirmos para nós mesmos o que procuramos, o que podemos oferecer e o que esperamos ter de volta. Posicionar-se e assumir o que desejamos implica eliminarmos possibilidades de relacionamento com pessoas que poderiam nos proporcionar momentos muito bons, mas que só seriam bons até determinado ponto, virando o avesso disso a partir do momento em que percebemos estar fingindo ser algo que não somos para cativar a atenção dos outros.

Acredito que a liquidez está tão em voga que hoje parece estar sólida. Se tornou um obstáculo para o que poderia acontecer de forma natural, mas que encontra uma barreira por ter que respeitar a liquidez do outro, que agora não pode querer se envolver de maneira mais profunda, e até se propõe ser líquido só para tentar conquistar alguém. A monogamia não está na moda, a tendência é ser plural, mas as tendências não deveriam ditar comportamentos, mas ser reflexo de determinado grupo. Sempre podem (e devem) haver exceções.

É praticamente intransponível o limite imposto por alguns relacionamentos descomprometidos e líquidos. Ficamos presos fora ou dentro deles e essa liquidez se transforma em um muro, colocado entre uma possível ponte entre o eu e o outro, barrando uma conexão que consiga vencer os vapores do que se entende por liberdade, mas que aprisiona os corações, por vezes no lado raso das relações.

Nos levamos tão a sério que o que era sólido e poderia derreter, hoje é líquido e tende a se solidificar e tornar fronteira entre o que é esperado e cultivado pela sociedade e o que somos e queremos com todo o coração.

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