Muitos adotam o amor líquido de Bauman como uma doutrina a ser seguida na maneira de se relacionar com o mundo. O que ele traz à tona (não como maldição, mas como percepção) é que vivemos "um mundo de incertezas, cada um por si. Temos relacionamentos instáveis, pois as relações humanas estão cada vez mais flexíveis. Acostumados com o mundo virtual e com a facilidade de 'desconectar-se', as pessoas não conseguem manter um relacionamento de longo prazo. É um amor criado pela sociedade atual (modernidade líquida) para tirar-lhes a responsabilidade de relacionamentos sérios e duradouros. Pessoas estão sendo tratadas como bens de consumo, ou seja, caso haja defeito descarta-se - ou até mesmo troca-se por 'versões mais atualizadas'".
Então, de uma ideia que tenta transmitir certa liberdade, a
liquidez dos relacionamentos se tornou obrigatória. Entre amigos e amores, as
palavras de ordem são “liquidez”, “amor livre”, “encontrar-se” (perdendo-se em
mil outros corpos), “viver o momento” etc. Não que haja um problema em viver e
se relacionar dessa forma, mas ela se tornou mandatória. Quase não há escapatória dessa
maneira “inovadora”, mas pré-moldada, de se relacionar.
Se você descobre que, na verdade, prefere não ficar com
várias pessoas, que não se sente bem numa liquidez em que o cuidado e o carinho
escapam pelos dedos, você está atrelado a uma ideia de pertença e domínio que é
retrógrada. Porém, escapa de alguns que não é o fato de não se sentir à vontade
com um relacionamento aberto que as cobranças serão feitas de uma maneira mais
intensa ou que até existirão. Toda obrigação prende a gente, mas ela pode estar presente tanto em alguns relacionamentos "tradicionais" quanto no fato de necessariamente precisarmos nos relacionar dessa maneira "livre".
Falta um senso de responsabilidade ao se relacionar com o
outro. Responsabilidade pelo que causamos e pelo que queremos. Pelo que
causamos por acharmos que o outro se enganou sozinho, que construiu
expectativas sozinho, ou até que errou sozinho. Não, em um relacionamento nada
acontece sozinho, nem o erro, nem o acerto. Já a responsabilidade pelo que queremos
é assumirmos para nós mesmos o que procuramos, o que podemos
oferecer e o que esperamos ter de volta. Posicionar-se e assumir o que
desejamos implica eliminarmos possibilidades de relacionamento com pessoas que
poderiam nos proporcionar momentos muito bons, mas que só seriam bons até
determinado ponto, virando o avesso disso a partir do momento em que percebemos estar fingindo ser algo que não somos para cativar a atenção dos outros.
Acredito que a liquidez está tão em voga que hoje parece
estar sólida. Se tornou um obstáculo para o que poderia acontecer de forma
natural, mas que encontra uma barreira por ter que respeitar a liquidez do
outro, que agora não pode querer se envolver de maneira mais profunda, e até se propõe ser líquido só para tentar conquistar alguém. A
monogamia não está na moda, a tendência é ser plural, mas as tendências não
deveriam ditar comportamentos, mas ser reflexo de determinado grupo. Sempre
podem (e devem) haver exceções.
É praticamente intransponível o limite imposto por alguns relacionamentos descomprometidos e líquidos. Ficamos presos fora ou dentro
deles e essa liquidez se transforma em um muro, colocado entre uma possível
ponte entre o eu e o outro, barrando uma conexão que consiga vencer os vapores
do que se entende por liberdade, mas que aprisiona os corações, por vezes no lado
raso das relações.
Nos levamos tão a sério que o que era sólido e poderia derreter, hoje é líquido e tende a se solidificar e tornar fronteira entre o que é esperado e cultivado pela sociedade e o que somos e queremos com todo o coração.
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